Celebrando 30 anos do álbum Psicoacústica, o Ira! se apresenta hoje em Porto Alegre com sessão dupla no Teatro do Bourbon Country (Av. Túlio de Rose, 80), nesta sexta-feira (19), às 19h e às 21h. Nasi (voz) e Edgard Scandurra (guitarra), integrantes fundadores da banda paulista, dividem o palco com Daniel Rocha (baixo), Evaristo Pádua (bateria) e Johnny Boy (teclados). O repertório conta com as oito faixas de Psicoacústica, disco lançado em maio de 1988, e um bloco com, entre outros sucessos, Flores em Você, Envelheço na Cidade, Eu Quero Sempre Mais e Tarde Vazia.
Psicoacústica é um álbum experimental do Ira! que agregou à sonoridade roqueira da banda samples (Pegue essa Arma utiliza a fala de um pastor), rap e ritmos brasileiros (Advogado do Diabo). É considerado um dos trabalhos mais ousados do rock nacional dos anos 1980.
– É um disco que a gente trabalhou com muitos elementos que fugiam do básico do rock, que era a nossa principal arma, e partiu para experimentalismos – diz Scandurra em entrevista a GaúchaZH. – Não foi apenas um punhado de canções. Foi um trabalho quase de alquimia, de laboratório, testando diferentes sonoridades no estúdio.
Psicoacústica ganhou vida em um Brasil que recém havia saído da ditadura e esperava pelas eleições presidenciais diretas de 1989 em meio a uma crise econômica. Traz letras questionadoras e soturnas. Scandurra destaca:
– O álbum tem elementos muito brasileiros na sonoridade, nas letras e nas críticas. Há um pastor que diz que tem que existir pobre e rico, meio que um conformismo que nós combatemos. É muito rico politicamente e esteticamente. Deve ser o álbum em que a gente mais bateu nessa tecla da linguagem. A maioria dos nossos discos tem essa pegada de instigar alguma coisa no ouvinte, não ser só um disco agradável.
A seguir, Scandurra fala sobre os 30 anos do Psicoacústica.
Por que Psicoacústica é tão representativo para a trajetória da banda?
Todo artista tem um disco mais experimental, que desapega do lado comercial e parte para algo mais artístico. Embora o Ira! tenha muitas músicas populares, uma característica da banda sempre foi dar uma cara de um produto como se fosse uma história. Psicoacústica tem esse fator. É um disco que a gente trabalhou com muitos elementos que fugiam do básico do rock, que era a nossa principal arma, e partiu para experimentalismos. Utilizamos samples de gravações, que, contemporaneamente a isso, em 1988, era uma linguagem que já era usada no rap e na música eletrônica. Usamos ritmos brasileiros também. Advogado do Diabo tem uma batida muito brasileira, por exemplo. Foram feitos trabalhos de pesquisa muito intensos em algumas músicas, como Rubro Zorro. Não foi apenas um punhado de canções. Esse disco teve um trabalho quase de alquimia, de laboratório, testando diferentes sonoridades no estúdio. Temos outros discos assim nesse mesmo processo, mas acho que, por ser o primeiro, o Psicoacústico é muito marcante.
Em que momento se encontrava o Ira! quando produziu o Psicoacústica?
Já tínhamos uma bagagem. Éramos uma banda experiente de sete anos de vida. Todos jovens, eu e Nasi não tínhamos 30 anos ainda. Tínhamos uma visão política que já vinha de outras músicas de outros discos da gente. Este trabalho mostra bem esta fase da gente, de garotos ainda procurando firmar seu espaço dentro da música, embora seja o terceiro disco, com dois bem sucedidos, estávamos em um momento que era importante para nós não termos apenas mais um disco de sucesso, mas sim um álbum que marcasse uma linguagem nova dentro da música. Anos depois, quando a gente viu depoimentos, como da turma do Nação Zumbi, falando da importância desse disco para o estilo de música que eles criaram nos anos 90, o manguebeat, nós percebemos que alcançamos esse objetivo, de transformar esse disco em um objeto de pesquisa para outros artistas.
De certa forma, Psicoacústica antecipa o rock brasileiro dos anos 1990, com inserção do rap, de sample e ritmos brasileiros.
Mostra uma cara de Brasil para o rock brasileiro, que, naquela época, era muito voltado para o rock inglês e americano. Esse disco tem elementos muito brasileiros nele, tanto na sonoridade, nas letras e nas críticas. Há um pastor no meio do disco dizendo que precisa haver pobre e rico, meio que um conformismo que a gente combate. É muito rico politicamente e esteticamente, uma coisa que sempre nos motivou. São raros os discos do Ira! nos quais nos juntamos para fazer sucesso e vender. Isso acontece na carreira de todo artista. Chega um momento que quer ter um reconhecimento e vender bem, mas nossos trabalhos sempre foram muito conceituais. O Psicoacústico deve ser o disco que a gente mais bateu nessa tecla da linguagem. A maioria dos nossos trabalhos tem essa pegada de instigar alguma coisa no ouvinte, não ser só um disco agradável.
Você mencionou que cada disco do Ira! tem uma história em seu conceito. Qual é a história do Psicoacústica?
É a história de um rapaz que mora numa casa simples, de dois quartos, sala e cozinha, muito próximo a uma favela e a um bairro de elite. É uma pessoa que convive com essas duas realidades, mas que não fecha os olhos para as pessoas mais simples. Acho que esse disco tem uma atmosfera que é muito o Brasil da classe média baixa. Há um pensamento crítico à elite. Tem essa música Pegue Essa Arma, que diz:"Tanta farsa, tanto roubo, e o boy toma Coca-Cola", que é uma crítica às pessoas muito alienadas. Inclusive, estou acabando de responder um post aqui que disseram: "Pô, Edgar, por que você fala de política e não de música? Fala de rock! Tá chato isso daí". Acho que temos que mostrar nossa posição, não dá para ser neutro. Às vezes, estrategicamente, isso pode ser até bom, mas em momentos críticos o artista tem que se posicionar. Nesse disco, nós recém havíamos saído da censura da ditadura, as coisas estavam mais suaves. Contudo, ainda tinha uma poesia metafórica nesse trabalho, não fomos diretos, falando em inimigos ou vilões, acho que é uma coisa rica.
O ambiente de incertezas políticas que ronda o Brasil não seria propício para surgir um novo Psicoacústica?
Acho que sim, pode ser importante. Psicoacústica não é um disco só simplesmente político ou contestatório, tem muita viagem e elementos psicodélicos. Por exemplo, Mesmo Distante é uma faixa que a pessoa se distancia um pouco dessa realidade. Esse disco foi feito na época do famoso verão da lata (um carregamento de 22 toneladas de maconha, embalada a vácuo, foi jogado no litoral brasileiro), que foi parar no nosso estúdio (risos). Passamos por experimentos psicodélicos no nosso conceito musical. Não é um disco sisudo. Acho que isso é o grande desafio do artista hoje em dia, pois há uma vasta inspiração política: por onde você olhar, verá uma coisa que não tolera e poderá transformar em música ou arte. Porém, não se pode nunca deixar que a coisa não seja arte. Fazer como Chico Buarque faz: você não tem um discurso de palanque musicado. Existe uma estética, uma poesia, um humor espirituoso. A arte tem que ser espirituosa também. Tem que ter alegria mesmo na contestação, não pode ser sisuda. Acho que, infelizmente, teremos no que se inspirar nas contradições que estamos tendo pela frente. Coisas que achávamos que não iam acontecer mais e estão ressurgindo. Sempre existe motivos para a gente se inspirar, com a vida e a sociedade. Mais do que nunca, não basta apenas se inspirar, tem que levar as pessoas a pensar com você e tentar sempre melhorar, nunca recuar e trazer retrocessos.
IRA!
- Sexta-feira (19), às 19h e às 21h, no Teatro do Bourbon Country (Av. Túlio de Rose, 80).
- Ingressos a R$ R$ 140 (plateia alta e camarote) e R$ 160 (plateia baixa) no local e via uhuu.com, sujeitos a taxas.