O talento de Mário Barbará, que morreu nesta quarta-feira (2) aos 63 anos e é considerado um dos grandes compositores do Rio Grande do Sul, teve um "olheiro" natural. Idealizador do festival Califórnia da Canção Nativa, o poeta Colmar Duarte recebeu em casa o futuro vencedor de duas Calhandras de Ouro quando o rapaz era um adolescente.
Segurando um violão, Mário, que morava em São Borja, certa vez chegou ao apartamento de Colmar em Uruguaiana, onde o poeta realizava algumas edições do evento fundado para celebrar os talentos da música regionalista. Foi levado por uma tia, que queria que reconhecessem a vocação do guri.
— Senti nele aquela chama do artista — recorda Colmar por telefone, aos 85 anos.
A chama se tornaria fogo consistente nos próximos anos. Em 1975, na 5ª edição da Califórnia, Mário, já um rapaz de 21 anos, ergueu o prêmio máximo do evento pela canção Roda Canto, musicada por ele em cima de um poema de Apparício Silva Rillo (1931-1995). A música também venceu a linha campeira do festival, que iniciava naquele ano uma divisão entre as categorias, separadas por linhas.
Ouça Desgarrados a partir dos 11'03'', Roda Canto a partir dos 18'48" e Milongas Tristes a partir dos 34'27''
O segundo troféu não demoraria a chegar. Em 1981, Mário voltou a erguer a Calhandra de Ouro por uma parceria feita com o poeta Sergio Napp (1939-2015). A vitória marcaria seu triunfo na música. Desgarrados, com letra de Napp, é considerada um divisor na história da música regionalista por trazer a realidade do gaúcho que migrou para a área urbana do Estado, em contraposição ao tradicionalismo cultivado nos pampas e que era, até então, retratado nas canções nativistas.
— É uma canção que se transforma em produto de massa. O nativismo vira pop — define Vinicius Brum, compositor nativista que estuda a história das Calhandras de Ouro em sua tese de doutorado.
De acordo com Brum, o vento de renovação provocado por Mário já estava presente em Roda Canto, passou por Milongas Tristes e chegou a Desgarrados como um ápice.
— O Mário era de vanguarda. Era um prodígio, um dos compositores mais importantes. Não tem um canção de Mário que não seja emblemática — exalta Brum, que venceu duas Calhandras de Ouro com compositor, uma em 1994 e outra em 1997.
Sua participação na Califórnia da Canção Nativa faz parte da história do evento. E também da cidade onde, apesar de não ter sido cenário de seu nascimento, foi o primeiro palco para uma reputação que atravessaria o Estado.
— O Mário foi um marco da Califórnia. Um inovador. Não se pode falar em Califórnia da Canção Nativa sem falar do Mário. O povo de Uruguaiana tem um carinho muito grande por ele — reconhece Colmar.
Nascido 11 anos mais tarde na mesma São Borja de Barbará, o músico Chico Saratt cresceu ouvindo seu ídolo, com quem teria a oportunidade de realizar algumas parcerias. Em 1984, quando subiu no palco da Califórnia pela primeira vez, teve a companhia de Barbará. Em 2016, a dupla se uniu para cantar a canção Campesina em um show coletivo chamado O Grande Encontro, que reuniu referências da música tradicionalista.
A sintonia entre os dois mereceu um DVD, lançado em 2017 com o título Desgarrados, privilegiando o repertório de Barbará.
— Para mim, Mário representou tudo. Foi meu ídolo a vida inteira, desde que eu tinha nove anos. Sou da mesma cidade dele e convivemos muito. Em 1984, subi a primeira vez no palco da Califórnia com o Barbará. Imagine para um guri de 18 anos subir no palco da Califórnia com um cara que tinha vencido em outras edições — considera Saratt.