Em tempos em que a música se expande com velocidade via banda larga, Bebeto Alves coloca embaixo do braço CDs e singles de seu novo trabalho e vai de rádio em rádio apresentar pessoalmente as composições de Canção Contaminada.
– Tem gente que me recebe que até se assusta, não entende o que está acontecendo – ri o músico.
Formado em uma época em que o disco físico e as rádios eram fundamentais para o sistema musical, o compositor com 40 anos de carreira não se deslumbra com as novas possibilidades das redes sociais e do compartilhamento por streaming. Canção Contaminada acaba de ser lançado, mas por enquanto apenas em CD – deve chegar às plataformas digitais em 19 de fevereiro. Pode parecer antiquado, mas não haveria lançamento mais coerente com o projeto, que tem letras sobre a solidão em tempos de hiperconectividade, som que privilegia timbres acústicos e uma capa que expõe o compositor marcado pelo contato com a terra.
O grande trunfo de Canção Contaminada é seu espírito coletivo. Os arranjos demonstram a intimidade desenvolvida ao longo dos últimos 14 anos com os instrumentistas Rodrigo Reinheimer (baixo), Luke Faro (bateria) e Marcelo Corsetti (guitarra). Juntos, os músicos assumem uma identidade coletiva, a banda Oh Blackbagual. Milongas com guitarras distorcidas e canções folk com pegada pop formam uma sonoridade coesa, mas nunca monótona, para a voz de Bebeto.
Nas letras, o espírito colaborativo aparece em Águas Barrentas e Você, parcerias com o poeta André Bolivar; Bajo la Misma Ciudad e Quimera, com o cantautor uruguaio Walter Bordoni; e Outro Nada, com Humberto Gessinger. O último também divide os vocais da composição com Bebeto, repetindo um dueto que já apareceu nos discos Insular (de Gessinger, lançado em 2013) e Milonga Orientao (de Bebeto, lançado em 2014).
Outro Nada é um dos pontos altos do disco, abordando o êxodo a partir de personagens que vêm do interior do Estado – Bebeto é natural de Uruguaiana, e Humberto é descendente de famílias de Santa Cruz do Sul e Nova Prata. “Que troço louco – desterro/ Na falta de uma terra há torres a vigiar”, diz a letra. A falta de um lugar para viver volta a aparecer em Bajo la Misma Ciudad, que também aborda a solidão do mundo hiperconectado: “Entre misiles inteligentes/ y gente clonada en empresoras 3D/ Despertamos en el vacío de una plaza/ solos al amanecer”.
A desconfiança com as utopias é mais um tema de parceria com Bordoni. Quimera trata de uma musa encontrada “en una carretera/ entre lo que soy y lo que fui”, mas que é ao mesmo tempo “virgen y ramera”.
– Este disco foi escrito nos últimos dois anos, tempos muito confusos – conta Bebeto.
Em meio à desorientação causada pela falta de quimeras e pela hiperconectividade, o compositor sabe para onde apontar sua atenção: o palco. Ainda não foram definidas as datas de lançamento do disco, mas Bebeto já está empolgado o novo trabalho:
– Em vez de fazer um show enorme, queremos fazer várias apresentações para públicos menores. O que a gente mais quer é tocar.
Canção Contaminada
Oh BlackBagual
Pop, 10 faixas, R$ 30, à venda em produtooficial.com.br.
Cotação: 4 de 5 estrelas