Sempre se fala do caráter democrático da Feira do Livro de Porto Alegre. Não só por ser um evento totalmente gratuito que promove o encontro entre escritores e leitores, mas porque coloca lado a lado o autor celebrado, que é best-seller e arrebanha uma fila gigantesca, e o autor anônimo, muitas vezes lançando sua primeira obra e sendo prestigiado por algumas dezenas de familiares e amigos. Os dois têm espaço na Praça da Alfândega.
A estreia de Ana Margareth Gonçalves em uma sessão de autógrafos aconteceu ao lado de Fabrício Carpinejar. Em 2020, no auge da pandemia, a aposentada de 64 anos havia publicado os primeiros livros em uma tacada só. A urgência era medo de não ter tempo de vida para tornar-se escritora.
O sonho ficou completo em 2021, quando a Feira retornou à Praça da Alfândega e ela pôde ter a experiência de assinar seu nome na página do livro O Segredo do Ártico (edição independente), uma narrativa fantástica sobre a preservação do meio-ambiente escrita a quatro mãos com o filho, Gabriel Silva Hentges, 32 anos.
A poucos metros de distância de mãe e filho, o patrono da edição daquele ano recebia fãs ávidos por uma dedicatória sua na página do livro Depois É Nunca (Bertrand Brasil), em que ele reflete sobre a morte. Não recorda de Ana Margareth e Gabriel, mas os dois lembram dele e de sua fila, que fazia um "s" de tão extensa.
Os três conversaram dias antes do início da 70ª Feira do Livro de Porto Alegre, à convite da reportagem de Zero Hora.
— Um dia eu quero ter uma fila que nem a dele. Quero que as pessoas também conheçam o nosso texto — diz Ana Margareth.
Autor de mais de 30 títulos, Carpinejar acostumou-se tanto com as sessões de autógrafo que pôde aprender a perceber suas sutilezas e transformações durante a carreira de escritor. E garante: ao longo dos anos, a fila começa a se consolidar.
— A primeira sessão de autógrafos é sempre muito boa. Porque é a única sessão de autógrafos em que vai toda a família. Depois, os familiares cansam. E é a partir do segundo livro que o escritor começa a criar seus leitores. Hoje, eu falo para a minha esposa e para os meus filhos: "Não precisa aparecer" — brinca.