Nem o vento e a chuva deste Dia dos Finados foram capazes de afastar o público de um dos momentos mais aguardados da 69ª Feira do Livro de Porto Alegre. No final da tarde desta quinta-feira (2), o Espaço Petrobras Carlos Urbim, na própria Praça da Alfândega, entre o Margs e o Memorial do RS, ficou abarrotado para ouvir dois dos autores mais expoentes do país: Itamar Vieira Junior e Jeferson Tenório.
No bate-papo Conversas Inspiradoras, mediado pela também escritora Nathallia Protazio, a dupla puxou para fora das páginas de suas bem-sucedidas obras questões sociais e históricas. Na conversa, eles ainda convidaram a plateia para refletir sobre as lutas e as transformações necessárias para uma sociedade mais justa.
As mais de 300 pessoas presentes no recinto — assim como as dezenas que ficaram de fora, amontoando-se nas grades e segurando guarda-chuvas — puderam ouvir um bate-papo descontraído e com perguntas profundas sobre literatura e o que pensam os autores.
Ao ser questionado por Nathallia se era um autor que saiu da periferia e foi para o centro, Tenório respondeu:
— A leitura mudou a minha vida. A coisa mais transgressora que fiz na vida foi a leitura. Me deu oportunidade de imaginar um futuro. A imaginação é um modo de resistência para quem mora na periferia. A minha perspectiva era de uma semana, um mês, eu não conseguia projetar um futuro longo. Porque a ordem do dia era sobreviver. O maior papel da literatura é ajudar a imaginar um futuro possível. E o centro pode ser em todo lugar.
Sobre o sucesso de Torto Arado (2019), que vendeu mais de 700 mil cópias, o autor destacou o poder da obra de alcançar diferentes espaços.
— Fico muito feliz com a capacidade que a narrativa tem de se ligar às pessoas de maneira muito direta. Nestes quatro anos de publicação, já falei com pessoas dos mais diversos lugares. Este é o maior prêmio que eu poderia receber: escrever um livro que não é inacessível para as pessoas. Neste país, o livro ainda é objeto de luxo, mas não no ponto de vista de compreensão da história. Pode comunicar algo importante. Chegar ao coração dos leitores — destacou Vieira Junior.
Dentro deste cenário que aborda o poder da literatura, o autor de O Avesso da Pele (2020) disse que tem uma opinião impopular, mas que levou reflexão para o auditório:
— Não acho que a literatura deva nos ensinar alguma coisa, que vai nos tornar alguém melhor. Acho que ela deveria nos dar vontade de viver outras vidas, uma experiência que nunca vamos ter. Ela vai te provocar, mas não vai te dar respostas.
Questionado pela mediadora sobre a relação entre liberdade e literatura, Vieira Junior apontou:
— O próprio princípio da literatura guarda o sentido do que é liberdade. Este conceito de liberdade irrestrita é um pouco utópico, mas poder se expressar, refletir o mundo, isto já guarda este sentido de liberdade.
O papo ainda se aprofundou em questão como direitos humanos, maternidade, a ficção dentro dos romances, referências e, claro, a chuva que tentou roubar — sem sucesso — o protagonismo do evento.
— Nossa, ver tanta gente reunida, me senti miserável, porque eu sou de açúcar. Se fosse eu, estaria em casa, me abrigando. Mas agradeço por vocês terem vindo — brincou Vieira Junior.
A 69ª Feira do Livro de Porto Alegre segue na Praça da Alfândega até o dia 15 de novembro, das 10h às 20h.