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Uma decisão do governo de Santa Catarina de retirar determinados livros de escolas estaduais gerou repercussão nos últimos dias — alguns especialistas, inclusive, consideraram a ação como censura. Após a polêmica, o Executivo catarinense chegou a afirmar, em nota, que as obras não seriam retiradas das bibliotecas, mas sim redistribuídas.
Na 69ª Feira do Livro de Porto Alegre, a notícia havia chegado a uma parcela pequena de livreiros e leitores nesta sexta-feira (10), quando a reportagem de GZH circulou pelo evento. No entanto, o tema dividiu opiniões. Há alguns dias, a Feira chegou a promover um painel sobre censura e destruição de livros em nome de princípios ideológicos, religiosos e morais, com foco em regimes e ditaduras.
Entre os nove títulos listados para serem afastados da comunidade escolar estão A química entre nós (Larry Young e Brian Alexander); Ed Lorraine Warren: demonologistas - arquivo sobrenaturais (Gerald Brittle); Exorcismo (Thomas B. Allen); It: A coisa (Stephen King); Laranja Mecânica (Anthony Burgess); O diário do diabo: Os segredos de Alfred Rosenberg, o maior intelectual do nazismo (Robert K. Wittman e David Kinney); entre outros.
O que os livreiros pensam
A banca Mania de Ler trabalha com algumas das editoras que publicam esses títulos. Para o livreiro Jeferson da Rosa, 52 anos, como boa parte da lista engloba livros de ficção, cabe aos pais e ao corpo docente enfatizar que se tratam de histórias inventadas.
— Acho um exagero cercear as crianças de ler. Tem alguns títulos até que podem parecer polêmicos, mas se forem pensados em determinada faixa etária, com o cuidado de não incentivar alguma coisa que possa ser mais polêmica dentro do livro, é um assunto que é apenas polêmico. Não vejo nada de tão agressivo ou nocivo à sociedade, às crianças ou à leitura do adolescente — opina o livreiro, que trabalha na área há 30 anos.
Jeferson da Rosa não considera a ação uma forma de censura, mas sim de desconhecimento. Ele defende a volta dos livros à biblioteca, pois a tentativa de bloquear o contato das crianças com esses títulos é "inócua", opina, haja visto a possibilidade de adquiri-los na internet, em lojas ou com outros colegas
— Não vai fazer diferença para eles ter ou não na biblioteca se for do interesse deles de ler. Pelo contrário, pode despertar até mais interesse ainda, não só nas crianças, mas nos pais, na sociedade. Fomenta uma ideia de que, já que é proibido, vamos ler, então, para conhecer — alerta.
Jéssica Stein, 28, livreira da Letras e Cia — que participa da Feira há mais de duas décadas —, ainda não conhecia a polêmica. A livraria, que atende muitas crianças, costuma ter bastante procura pelas obras da lista, segundo Jéssica. Ela relata que hoje, com as redes sociais, as crianças acabam esbarrando em livros que não são voltados para sua faixa etária — as obras de Colleen Hoover, que contém cenas explícitas e de violência, por exemplo, chegam a ser mencionadas pelos pequenos.
No entanto, ela lembra que os bibliotecários e professores podem auxiliar os alunos e indicar quais obras são mais apropriadas. Além disso, na visão dela, as próprias escolas poderiam fazer a separação desses livros em espaços específicos, já que adolescentes já conseguiriam assimilar os significados dessas obras.
— Não tem lógica a proibição. Só se realmente foi segundo a nota (do governo), porque você não pode proibir livros — avalia, descrevendo a iniciativa como exagerada.
Presidente da Câmara Rio-Grandense do Livro, Maximiliano Ledur ressalta que não é a favor de nenhum tipo de proibição, mas que é importante seguir a questão da faixa etária nas escolas. Contudo, avalia que o erro está no planejamento, que deveria passar por uma curadoria de professores e entidades da área.
— A compra pelo governo é sempre tão difícil, e aí quando fazem a compra, não fazem a escolha correta dos livros, e acaba gerando essas polêmicas. E o que vão fazer com os livros? É triste ver isso, tem de ser feito um planejamento adequado. A gente tem tanto livro bom, para que gerar polêmica, buscar livros que, de alguma forma, não estão de acordo com a faixa etária? Se não é adequado, isso tem de ser percebido antes — salienta.
Opinião dos leitores
A maioria dos leitores também não estava ciente da polêmica e demonstrou surpresa com o caso. Franciele Seibert, 30, estudante de Engenharia de Produção, já leu diversos títulos da lista. Para ela, o controle deveria ser realizado pelos pais.
— (A ação) é uma forma de limitar a cultura para as pessoas. Uma biblioteca escolar tem uma faixa etária de seis a 18 anos, não é só criança. Acho que é exagero, tem infinitos meios de comunicação abertos, internet, TV, que passam conteúdos muito mais pesados do que o próprio livro, e crianças muito novas têm acesso — afirma.
Já a estudante de Engenharia Civil Thayná Kauer, 20, destaca a importância inegável dos livros para todas as faixas etárias, mas considera importante haver alguns cuidados.
— Alguns livros se encaixam para os mais novos, outros para os mais velhos. Mas acho que não é proibindo a leitura que vai se resolver alguma coisa, muito pelo contrário — pondera.
Censura?
Na banca da livraria Entrelinhas, também há obras que seguem a mesma linha daquelas listadas pelo governo de SC. O livreiro José Ribeiro, 58, relata que a gurizada gosta desses gêneros. Para comprar, não há restrição para menores de idade — caso contrário, já viriam identificados desta forma. Contudo, no ambiente escolar, considera que deve haver uma regra para evitar problemas.
— Tem muitos livros ali, logicamente, que dependem da idade, concordo com essa parte. Fazer a redistribuição acho certo, evita que alguns livros ali realmente caiam para uma idade que não seja compatível, se for assim desta maneira que estão falando agora — afirma o livreiro, que tinha acompanhado a repercussão nas notícias.
Porém, ele considera a ação “forte” e avalia que a situação poderia ter sido melhor conduzida ao invés de decidir retirar os livros e, só depois, repensar as práticas – o que deveria ter sido feito antes. Assim, considera a medida, de certa maneira, como censura, já que, se não tivesse sido exposta, provavelmente ninguém saberia.
Da mesma forma, a técnica de enfermagem Márcia Pinheiro encara a situação como uma possível forma de censura. Ela também rotula a ação como “exagerada” e avalia que mesmo a redistribuição das obras é desnecessária, pois há outras questões mais importantes para se preocupar. Márcia é contra a remoção dos livros e defende uma separação por faixa etária e série. Ela também acredita que a escolha do que os filhos vão ler deve partir dos pais, combinado ao papel do professor.
— Aqui, por exemplo, vou ver o conteúdo da idade dela, o que acho adequado para ela — afirmou a mãe, que escolhia obras junto a filha em uma das bancas infantis.
O que diz o governo de SC
"A Secretaria de Estado da Educação (SED), por meio da Coordenadoria Regional de Educação de Florianópolis, reforça que não estão sendo retirados livros das bibliotecas das escolas estaduais da região. Apenas alguns dos títulos das bibliotecas das unidades escolares da região estão sendo redistribuídos, buscando melhor adequar as obras literárias às faixas etárias das diferentes modalidades oferecidas na rede estadual de educação. Obras específicas para o público adolescente/adulto tinham sido enviadas pela antiga gestão para escolas com alunos de uma faixa etária menor, como as que apenas têm estudantes do ensino fundamental."