Personagens gays, sexo casual após uma noitada em frente ao Ocidente, o frio na barriga ao abrir o relacionamento e dormir com outra pessoa além da que se ama. Embora não tenha se inspirado em ninguém em particular, Tobias Carvalho faz um retrato tão verossímil da juventude LGBT+ porto-alegrense em Quarto Aberto — seu primeiro romance, recém-lançado pela Companhia das Letras — que parece falar daquele colega ou amigo descolado que não só assumiu a homossexualidade como se aventura em transas mais interessantes do que as nossas.
Os cenários contribuem para a sensação de que as histórias existem de verdade. Entre bares da Cidade Baixa e do Bom Fim, dois casais de homens marcam encontros, bebem cerveja, frequentam a cena drag — o protagonista até se "monta", como ele mesmo diz — e pouco a pouco se envolvem uns com os outros, dissolvendo os pares e quase embaralhando tudo.
Se já é raro encontrar escritores gaúchos retratando com naturalidade a intimidade afetiva dos gays, Tobias dá um passo a mais e fala da complexidade da não monogamia — que, no fim das contas, é difícil para todos. No dia 24 deste mês, às 19h, ele autografa o livro na Livraria Paralelo 30 (Rua Vieira de Castro, 30), em Porto Alegre.
— Eu tinha curiosidade por esse tema. Tem potencial de fazer a gente questionar muita coisa. O relacionamento aberto é uma ideia que pretende superar problemas do relacionamento fechado, como traição, só que o mais interessante na literatura é abordar o problema desse novo jeito de se relacionar. O ciúme que é retratado no livro é super humano, embora digam que é possessividade. E o positivo do relacionamento aberto é que as pessoas sempre ficam formatando a relação, pensando sobre o que está bom e o que dá para mudar — reflete.
Nascido e criado em Porto Alegre, Tobias começou a escrever aos 17 anos, ao frequentar uma oficina literária. Pouco se inspirou em autores gays que criaram personagens homossexuais, como Caio Fernando Abreu. Mas é fã de Daniel Galera, que, por publicar o primeiro livro de contos com pouca idade, o motivou a escrever As Coisas (Record, 2018), o seu primeiro livro de contos, lançado aos 23 anos. Quando ganhou o Prêmio Sesc de Literatura e Galera estava entre os jurados, sentiu que a vida fazia um círculo perfeito.
Depois de As Coisas, em que também mergulha nas relações de jovens homossexuais, ficou receoso de ser taxado como alguém que faz literatura LGBT+. Não queria ficar preso a um tema. Desviou o caminho e lançou Visão Noturna (Todavia, 2021), com quatro contos sobre os sonhos e como respingam na realidade, trabalho que em 2023 lhe rendeu dois troféus Açorianos: na categoria conto e Livro do Ano. Se precisava provar que sabe escrever sobre qualquer assunto que vier à mente, conseguiu.
— O que é um escritor LGBT+? Não falamos em literatura hétero, só falamos que é literatura com "L" maiúsculo. Mas também não me escondo da alcunha literatura LGBT+. Só não quero que as pessoas pensem que sou só isso, porque tenho vontade de escrever outras coisas — diz o autor, hoje com 27 anos.
O curioso da literatura de Tobias é que os personagens não padecem dos preconceitos que oprimem e até ameaçam a vida de quem não é heterossexual. Em Quarto Aberto, Artur, o protagonista, vive com prazer sua sexualidade, sem demonstrar remorso por transar com outros homens que não o namorado. Quando se monta de drag para apresentações em bares noturnos, parece atingir a plenitude ao ver-se maquiado e vestido como a mãe.
A grande sacada do livro é justamente superar a narrativa do sofrimento homossexual e abrir a porta do quarto para que os leitores conheçam a intimidade dos gays — com paixão, ousadia, gozo, amor, rotina, tédio, vontade de se aventurar e medo da perda, como qualquer outra.
— É natural que, quando começaram a surgir os livros com personagens gays, se retratasse mais os dilemas de assumir a homossexualidade e sofrer preconceito. Mas os leitores querem ir além disso. Como é viver como gay depois de sair do armário? A literatura LGBT+ precisa construir múltiplos tipos de histórias.
"Quarto Aberto", de Tobias Carvalho
- Romance, Companhia das Letras, 248 páginas, R$ 69,90
- Evento de lançamento em Porto Alegre no dia 24 de agosto, às 19h, na Paralelo 30 (Rua Vieira de Castro, 48). O escritor autografa o livro após conversa com o escritor Samir Machado de Machado