Segundo romance de Moacyr Scliar, O Exército de Um Homem Só (1973) foi lançado nos anos de chumbo, caracterizados como o auge da ditadura militar no Brasil. Nele, o escritor dá vida ao Capitão Birobidjan, um judeu nascido na Rússia e estabelecido no bairro Bom Fim, em Porto Alegre, que sonha em fundar uma sociedade mais igualitária. Com a audácia de fazer uma sátira amarga do idealismo socialista em plena repressão, o livro — que é publicado pela editora L&PM — chega aos 50 anos sendo celebrado com uma mesa-redonda.
Os convidados são Regina Zilberman, professora de Literatura da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e uma das maiores especialistas na obra de Scliar; o cineasta Carlos Gerbase; o psicanalista Abrão Slavutzky; o jornalista Tulio Milman e a escritora Cíntia Moscovich. Aberto ao público e com entrada gratuita, o bate-papo ocorre nesta segunda-feira (28), às 19h30min, na Federação Israelita do Rio Grande do Sul (Rua General João Telles, 329), em Porto Alegre.
Guardiões do legado de Scliar, a viúva, a professora de inglês Judith Scliar, e o cunhado, o jornalista Gabriel Oliven, procuram manter aceso o impacto da literatura do escritor morto em 2011. Até porque O Exército de Um Homem Só, considerado um clássico da literatura nacional, ainda tem muito a dizer nos dias de hoje.
— O livro mostra um visionário que tenta construir uma sociedade mais justa, menos desigual, inspirado em ideais marxistas, em pleno Bom Fim. Mostra a loucura que toma conta desse personagem e o leva a ser quase um Dom Quixote. Aos poucos, ele vai sendo abandonado pelos companheiros, até ficar sozinho e criar uma sociedade com companheiros animais para se proteger de uma provável invasão nazista. A loucura acaba sendo um abrigo psicológico da frustração que é viver em sociedade — reflete Oliven.
De acordo com ele, Scliar se inspirou em um tio para compor a personalidade de Birobidjan, o idealista apaixonado Henrique Scliar, um dos fundadores do Clube de Cultura, importante centro cultural, artístico e de resistência política do Bom Fim especialmente nas décadas de 1950 e 1960. Judith acrescenta que o humanismo do personagem também fazia parte do caráter de seu próprio criador, que, além da paixão pela literatura, era um médico dedicado à saúde pública.
— O Moacyr sempre lutou por um mundo melhor. Participava de movimentos de esquerda durante a faculdade, foi orador da turma ao se formar em Medicina e, no seu discurso arrasador, citou um poema do Ferreira Gullar falando que morrem quatro por minuto na América Latina, principalmente de fome. Ele sempre lutou por um mundo que desse condições de vida para todos, não só para os privilegiados — frisa Judith.
No debate sobre O Exército de Um Homem Só, Carlos Gerbase irá exibir três vídeos feitos, dois deles feitos especialmente para a ocasião, retratando momentos importantes do livro (assista no vídeo incorporado ao final deste texto). Uma das cenas conta com a atriz Mirna Spritzer e foi feita em 2014, especialmente para a mostra Moacyr Scliar, o Centauro do Bom Fim, em cartaz naquele ano no Santander Cultural (hoje Farol Santander) e com curadoria do próprio cineasta. As outras duas são recentes e têm participações de Roberto Oliveira, Luiz Paulo Vasconcellos, Sergio Lulkin e Luciana Paz.
— Reli o livro para fazer os vídeos. É muito divertido e não envelheceu nem um pouco. É um retrato bacana de Porto Alegre e da comunidade judaica. Essas novas gerações que não leem tanto podem perceber que ali tem algo muito divertido. Eu ri bastante. E o Scliar é um autor com vasta obra dedicada ao público infantil e adolescente — diz Gerbase.
Empenhados em fazer com que a literatura de Scliar mantenha-se em circulação e chegue às novas gerações, Judith e Oliven conseguiram publicar, de forma póstuma, três livros de crônicas, todos pela Companhia das Letras: Poesia das Coisas Simples (2012), reunião de textos para Zero Hora; Território da Emoção (2013), sobre medicina e saúde; e A Nossa Frágil Condição Humana (2017), sobre judaísmo e a cultura judaica.
— Neste triste país, morre o escritor e morre também a sua obra. Vi isso acontecer com muitos autores brasileiros — lamenta Judith, que leu todos os romances e livros de crônicas de Scliar.
A partir de setembro, a editora Companhia das Letras vai relançar obras do escritor. E até o fim do ano, o site oficial dedicado a Moacyr Scliar (moacyrscliar.com) será reformulado, oferecendo uma versão em inglês para ampliar o conteúdo a estrangeiros.
Assista a três cenas baseadas em O Exército de Um Homem Só, com direção e roteiro de Carlos Gerbase: