Correção: a frase de Caio Fernando Abreu antes citada na reportagem, que também consta no livro de Suzana Saldanha, não foi oficialmente dedicada à atriz, diferentemente do publicado entre 17h de 10 de abril e 12h40min de 11 de abril de 2022. O texto foi corrigido.
Uma das mais notáveis damas do teatro gaúcho, Suzana Saldanha, 76 anos, nunca pensou em ser atriz. É o que conta no livro biográfico lançado no início deste mês, intitulado, não por coincidência, Nunca Pensei em Ser Atriz (Ardotempo).
Suzana nunca pensou, mas fez história — embora, modesta, relute um pouco em assumir. É uma das fundadoras do Grupo de Teatro Província e do Centro de Demolição e Construção do Espetáculo, respectivamente históricos na Porto Alegre dos anos 1970 e no Rio de Janeiro dos 1990 (onde ela morou por três décadas), vencedora de um Açorianos de melhor atriz e um kikito de atriz coadjuvante e professora responsável por formar incontáveis profissionais das artes dramáticas. Mas tudo isso só depois de mergulhar sem muito pensar nessa "coisa de ser atriz".
Resolveu prestar o vestibular da UFRGS para Artes Dramáticas em vez História, seu plano inicial, após um papo despretensioso com a colega de Ginásio Ana, que lhe falou sobre o curso que havia na universidade. E lá se vão quase 60 anos em cima do palco. Foi também assim, sem pensar muito, que decidiu escrever um livro para contar esta e outras histórias de sua carreira.
— Vai parecer terrível, mas eu nunca pensei em ser atriz e nunca pensei em escrever um livro — conta, divertindo-se. — Eis que chega a pandemia, sou da primeira leva que teve o vírus... Em casa, eu e a mãe, sem poder sair, comecei a mexer com as memórias.
Mas a luz inicial, confessa, acendeu ainda um pouco antes da pandemia, durante um jantar regado a vinho e carreteiro com os amigos Luís Arthur Nunes, professor e diretor de teatro, e Antônio Hohlfeldt, atual presidente da Fundação Theatro São Pedro. Entre uma garfada aqui e um gole lá, os guris, como os chama a atriz, levantaram a ideia de o trio escrever um livro sobre a trajetória do Província. Ela gostou, e o livro um dia deve sair, mas logo pensou que queria poder traduzir a história deste e de outros grupos, espetáculos e momentos do teatro brasileiro a partir de seu olhar pessoal — e, por que não, de sua própria história.
Assim nasceu Nunca Pensei em Ser Atriz, um mosaico de memórias, causos e reflexões da atriz gaúcha que se mistura a textos e depoimentos assinados por importantes nomes da cena cultural do país, escritos a convite de Suzana. É um passeio pela carreira dela, mas também uma viagem no tempo pelas diferentes fases do teatro no Brasil.
— A parte de que mais gosto é a que as pessoas escreveram. Foi maravilhoso porque ninguém disse "Você é maravilhosa, você é espetacular, você é fora do comum". Não queria isso, até mesmo porque não sou. Mas de diferentes formas elas dizem todas a mesma coisa: que eu não poderia não fazer teatro. Isso para mim é comovente — comenta a atriz.
Comovente para ela foi também a noite de lançamento do livro, na última terça, logo após uma sessão especial de Eu É Nós no Theatro São Pedro. O espetáculo de autoficção — gênero que remonta autobiografias com uma dose de inventividade — é apresentado por Suzana desde 2015, primeiro intitulado Eu e depois rebatizado de Eu É Nós, quando a atriz percebeu que a história de sua carreira é muito mais coletiva do que individual.
Tanta gente esteve presente e tamanho foi o carinho recebido que Suzana ainda estava em êxtase quando falou com a reportagem de GZH. Uma das pessoas na plateia e na fila por autógrafos era a amiga e produtora cultural Laís Maciel, que escreve no livro e veio diretamente de Aracaju, Sergipe, para prestigiar o lançamento. Também acompanhou a entrevista, fazendo intervenções enriquecedoras ao longo da conversa. Por exemplo, quando sentenciou que, se não tivesse lá atrás escolhido o teatro mesmo sem nunca ter pensado em ser atriz, Suzana "não teria vida e morreria de tédio". Ela caiu na gargalhada e concordou.
A atriz ainda não tem planos profissionais para o restante de 2022. Novas datas do espetáculo? Uma turnê com o livro? Quem sabe? Ela não. Só sabia o que iria fazer quando a entrevista terminasse:
— Terminando de falar contigo eu tô indo para a Padre Chagas tomar um happy hour. O meu é gim tônica, a Lais eu não sei o que vai tomar.
NUNCA PENSEI EM SER ATRIZ
De Suzana Saldanha
Editora Ardotempo, 144 páginas, R$ 40