Executadas na década de 1920, as pinturas do artista alemão Fernando Schlatter (1870-1949) ressurgem, aos poucos, nas paredes do hall da Biblioteca Pública do Estado (BPE), em Porto Alegre. O processo de restauração, que agora possibilita aos visitantes observar parte dos murais originais do prédio, teve início em dezembro do ano passado. Até então, o espaço estava coberto por camadas de tinta neutra, que começaram a ser aplicadas sobre as figuras há quase 70 anos.
O projeto foi viabilizado graças aos recursos repassados pela Associação de Amigos da Biblioteca Pública do Estado (AABPE) e pelo programa Avançar na Cultura, do governo do Rio Grande do Sul. De acordo com Eduardo Hahn, assessor especial de Memória e Patrimônio da Secretaria da Cultura do Estado (Sedac), um total de R$ 641 mil será investido para devolver os afrescos a alguns espaços do prédio — inaugurado oficialmente em 1922, na esquina das ruas Riachuelo e General Câmara, no Centro Histórico.
Inicialmente, a restauração será feita em todas as paredes que integram o acesso às salas da biblioteca: recepção, parte da escadaria para o subsolo, escadaria para o segundo andar e saguão do segundo andar, até a laje antes da claraboia. A primeira etapa está em andamento e corresponde à remoção das cinco camadas de repintura identificadas, explicam o arquiteto Lucas Volpatto e a conservadora e restauradora Anice Jaroczinski, responsáveis pelo trabalho.
— É uma remoção mecânica, com lâminas de bisturis cirúrgicos, sem usar nenhum tipo de solvente, que pode fazer reações químicas com a pintura original. Achamos essa a técnica mais adequada, porque se tem um controle maior da superfície, danifica menos a parede — afirma Volpatto.
A qualidade da pintura original fez com que não houvesse total aderência das camadas sobrepostas, o que está possibilitando a remoção do material, segundo o arquiteto. A expectativa é de que essa primeira etapa seja concluída em até dois meses. Após sua finalização, será feita uma limpeza das paredes e, em seguida, a fixação da camada de pintura original que permaneceu intacta.
Depois disso, é feito o nivelamento da obra na parede, onde somente as pequenas falhas são repintadas. Por último, ocorre a reintegração da camada, que significa refazer o desenho nos locais onde não existe mais — um caso extremo e excepcional, já que o objetivo da restauração é manter as características originais da pintura. Todo o processo de restauração deve ser concluído até dezembro deste ano.
— As figuras se repetem bastante, então, quando chegar em uma parte em que a pintura estiver muito perdida e não tivermos noção de como ela era, tiramos o molde de uma que está em perfeito estado e restauramos aquela parte. Por exemplo, se uma flor estiver totalmente perdida, tiro o molde de outra e reproduzo onde precisa — esclarece Anice.
Ideia do projeto e obras futuras
Eduardo Hahn afirma que a Biblioteca Pública do Estado já passou por várias fases de restauração, mas todas foram voltadas à infraestrutura, que apresentava uma série de problemas, que poderiam ocasionar a deterioração do patrimônio. Após avançar nas obras da estrutura básica, a atenção foi voltada aos acabamentos do prédio:
— Dos recursos do governo, R$ 2 milhões foram direcionados à biblioteca. A ideia inicial era restaurar um conjunto de móveis do prédio e as fachadas, mas a Associação dos Amigos destinou R$ 125 mil para iniciar o processo de restauração dos murais. Então, a Sedac resolveu alterar seu escopo e aplicar uma parte do recurso para terminar o serviço no hall.
Ao assumir a presidência da associação há alguns meses, Gilberto Schwartsmann e os diretores fizeram um inventário das necessidades da biblioteca. Decidiram, então, começar pelo restauro da pintura, a fim de devolver a beleza que ficou escondida por décadas.
— Resolvemos trazer de volta aquele ambiente lindo que a biblioteca tinha. É um prédio muito bonito e, com o restauro no hall, está ficando surpreendentemente lindo, trazendo de volta todos aqueles desenhos. Ao entrar na biblioteca agora, dá uma emoção, parece que se está em uma instituição europeia — diz Schwartsmann.
— Estamos recuperando informações sobre a nossa história artística. A partir dessa restauração, vamos devolver para a comunidade a possibilidade de apreciar uma obra de arte que foi elaborada na década de 1920 — complementa o assessor da Sedac.
Essa é a primeira ação de retirada das camadas de tinta cinza, que foram aplicadas em muitas paredes do prédio. Ou seja, o trabalho atual não irá finalizar todo o processo de restauração de pinturas necessário no local, ressalta Hahn. A intenção é de que a iniciativa impulsione novas obras nos próximos anos.
A restauração das fachadas da biblioteca deve começar nas próximas semanas, também com recursos do governo do Estado, conforme o assessor. Schwartsmann afirma ainda que a Associação dos Amigos pretende restaurar tudo que for possível na parte interna do edifício, como o mobiliário e outras salas. Assim, a expectativa é de que quase todas as obras necessárias estejam concluídas em até dois anos.
— É um dos prédios mais bonitos e importantes cultural e historicamente para o nosso Estado, tem um acervo riquíssimo. E edifícios históricos se deterioram, então tem que ter uma política de reparo constante — finaliza o presidente da AABPE, ressaltando que a entidade é aberta a qualquer pessoa que queira se associar.
A Biblioteca Pública do Estado funciona de segunda a sexta-feira, das 10h às 18h. Outras informações sobre a Associação dos Amigos podem ser conferidas neste site.