Minas Gerais justifica há séculos o seu nome, Estado fundado por bandeirantes que buscavam ouro. Até hoje a região montanhosa, situada no coração do Brasil, é um dos principais pontos de mineração no planeta. E isso desde sempre significou, além de riqueza, risco.
Pois esse é tema de Arrastados – Os Bastidores do Rompimento da Barragem de Brumadinho, o Maior Desastre Humanitário do Brasil, a mais nova incursão da jornalista Daniela Arbex, uma das raras que conseguiram migrar para o ofício de escritora de forma profissional e integral. Desta vez, o mergulho investigativo foi na tragédia do derramamento de lama a partir de uma mina de exploração de ferro, em 25 de janeiro de 2019, que deixou 270 vítimas, das quais sete ainda estão desaparecidas. Um triste aniversário, portanto, completado neste dia 25.
Nascida e criada em Minas Gerais, Daniela conhece bem a realidade que descreve. Ao contrário de outros livros, quando teve de se deslocar para o Rio Grande do Sul, por exemplo, a escritora trabalhou perto de casa. Mesmo assim, o que descobriu lhe causou espanto.
Responsável pela extração de ferro em Brumadinho, a Vale (também conhecida como Vale do Rio Doce) é uma das maiores mineradoras do mundo. Apesar de toda a expertise, durante décadas construiu minas cujas bacias de detritos estão situadas em morros, acima de povoados habitados pelos empregados da empresa.
Em época de chuva pesada, a movimentação das águas torna instáveis essas bacias de detritos. E o que não falta é chuvarada em Minas Gerais, como o leitor constata a partir do noticiário sobre o dilúvio que atualmente se abate sobre aquele Estado desde o fim de dezembro.
Pois, como nos desastres de avião, a soma da fúria da natureza com a imprevidência do ser humano se materializou em Brumadinho. O resultado foi uma catástrofe sem igual no Brasil. Maior do que os mortos no incêndio da boate Kiss. Maior do que outro desastre similar, em Mariana, também em Minas Gerais. Em Brumadinho, pessoas, carros, ônibus, máquinas, residências, restaurantes e alojamentos foram arrastados por um tsunami de lama repleta de dejetos químicos. Caso não morressem por sufocamento, as vítimas sofreriam intoxicação causada pelo minério.
Para reconstituir o drama dos que morreram e dos que sobreviveram, Daniela entrevistou mais de 200 pessoas. O leitor se vê dentro dos ônibus, a caminho de mais um dia estafante na mina, até o momento do estrondo que mudou todas aquelas vidas e causou tantas mortes. A autora também vai fundo na busca por explicações e a responsabilização dos culpados. A tragédia até hoje não teve julgamento.
Curiosamente, a escritora não começa o livro de forma impactante. Optou por uma narrativa linear, que descreve um por um seus principais personagens, o funcionamento da mina, o faturamento dela, a rotina... O texto prende mesmo a atenção só depois de algum tempo.
É curioso, porque Daniela tem o dom da palavra, além de ser uma investigadora rigorosa. Isso fica evidente em suas obras anteriores, todas baseadas em fatos reais: Holocausto Brasileiro (sobre maus-tratos a doentes mentais num hospício do país), Cova 312 (sobre o assassinato de um preso político), Todo Dia a Mesma Noite (o livro definitivo sobre o incêndio da boate Kiss, em Santa Maria) e Os Dois Mundos de Isabel (sobre a famosa médium de Juiz de Fora, também em Minas).
Descontada essa ressalva estilística, Arrastados é um livro pronto para um filme. Que venha Hollywood.