Eram 88 bancas em 2019, quando não se imaginava que, no ano seguinte, um vírus impediria que uma Feira do Livro de Porto Alegre ocorresse na Praça da Alfândega. A edição foi totalmente virtual.
Neste ano, em formato híbrido (presencial e online), são 56 os estandes que marcam presença. Segundo a Câmara Rio-grandense do Livro, entidade que organiza o evento, algumas livrarias fecharam por causa da crise, e outras, combalidas, não tiveram condições de comparecer.
Entre as bancas que voltaram à praça, estão algumas que participam desde a primeira edição, em 1955, ou a segunda, em 1956. São décadas de resistência para contar às futuras gerações. Leia, nesta página, um pouco dessas histórias.
Livraria Aurora
Quando precisou montar a banca da família neste ano, Rosa Luizelli, 70 anos, ficou um pouco perdida. Não sabia onde o marido, Eduardo, morto por complicações da covid-19, havia guardado as chaves.
– Ai, Eduardo, me ilumina – rogou.
Ela encontrou as chaves, conseguiu montar a banca e hoje está à frente da Aurora, fundada em 1955 por seu sogro, Sétimo, e tocada durante anos por Eduardo, uma das figuras mais conhecidas da Feira do Livro. Apelidado de Garimpeiro, ele tinha o costume de passar pelas outras barracas à procura de alguma obra rara. Comprava e vendia na Aurora pelo preço que achava mais justo.
Para Rosa, a edição de 2021 representa o duplo desafio de assumir a liderança de uma das primeiras bancas da Feira do Livro e de retomar as vendas que por anos sustentam a família. O que está sendo profícuo.
– O mundo inteiro sofreu com a pandemia. Neste ano, as pessoas estão afoitas, querendo se encontrar. Parece que o povo está revivendo – observa.
Federação Espírita do RS
Era comum que a banca da Federação Espírita do Rio Grande do Sul (Fergs) fosse alvo de olhares pouco amistosos em seus primeiros anos de Feira do Livro. Segundo a vice-presidente da entidade, Maria Elisabeth Barbieri, 64, tinha gente que passava reto pelo estande e fazia o sinal da cruz, achando que a doutrina religiosa tinha a ver com bruxaria.
Hoje, quem para na banca da Fergs não quer apenas leituras de Allan Kardec, um dos maiores divulgadores do espiritismo, mas também dividir aflições. De estande que provocava medo, a Fergs virou uma espécie de banca da autoajuda.
– A gente ouve muitos problemas, consola. Agora, na pandemia, teve muita gente que perdeu familiares, pessoas que desencarnaram. O cliente chega, pede um livro e fala do seu luto – conta Maria.
Apesar da alegria em retornar à praça, ela diz que existe um pesar pelos livreiros que não puderam participar.
– O mercado livreiro é unido, a gente sente quando alguém não consegue se recuperar. Livro, no Brasil, é necessidade.
Martins Livreiro
Com vocação para vender livros de mão em mão, Marcia Martins, 61, ficou chateada ao saber que haveria uma Feira do Livro longe das pessoas em 2020. Filha de Manoel Martins, o homem que fundou a banca Martins Livreiro em 1956, ela acreditou até o último momento que seria possível fazer o evento em seu lugar de origem.
Mesmo com a pandemia, não se aquietou e abriu uma livraria móvel, um furgão que passa por diversos pontos de Porto Alegre oferecendo livros. A ideia também foi inspirada no falecido pai, que nos anos 1960 viajava de caminhão pelo interior do Rio Grande do Sul para vender títulos.
De volta à Praça da Alfândega, Marcia comemora o reencontro com os leitores.
– A maior alegria de um livreiro que realmente ama sua profissão é ver o pessoal comprando, conversando, trocando ideias. Isso aqui é uma grande livraria – celebra.