O nome de Sinead O'Connor, que morreu nesta terça-feira, aos 56 anos, remete a duas imagens em particular: o close-up de seu rosto no vídeo de sua versão de Nothing Compares 2 U e por rasgar uma foto do Papa João Paulo II em uma edição do Saturday Night Live. Em 2021, a cantora lançou seu livro de memórias, Rememberings, em que conta a sua versão da história. Ela revela em detalhes como Prince, compositor da música, a atormentou após o sucesso da canção.
De acordo com o relato dela, o artista a convocou para ir a sua mansão em Hollywood e a repreendeu por dizer palavrões em entrevistas. Depois, teria pedido para seu mordomo lhe servir uma sopa, mesmo ela tendo recusado o prato várias vezes. Ainda, teria sugerido uma briga de travesseiros, atingindo-a com algo sólido que estava escondido dentro da fronha. Quando Sinead fugiu de madrugada a pé, Prince teria a perseguido primeiro de carro, depois correndo na estrada.
"Prince é o tipo de artista que é chamado de louco de um jeito positivo, como em "você precisa ser louco para ser músico", afirma O’Connor. "Mas existe uma diferença entre ser louco e abusar violentamente de mulheres", acrescenta.
A história no Saturday Night Live, em outubro de 1992, também é mais complexa do que parece. Na época do programa, Sinead estava no centro de polêmicas por ter boicotado o Grammy quando concorria na categoria de disco do ano e por recusar a execução do hino dos Estados Unidos antes de seus shows. Após rasgar a foto do Papa, a artista foi condenada pela Anti-Defamation League (Liga Anti-Difamação) e por um grupo chamado Coalizão Nacional de Organizações Étnicas (National Ethnic Coalition of Organizations), que alugou um rolo compressor para esmagar centenas de seus discos em frente a sua gravadora. Mas o gesto de Sinead tinha como objetivo protestar contra o abuso sexual de crianças e seu acobertamento pela igreja, fato que foi admitido por João Paulo II em 2001, quase uma década depois.
Além disso, a cantora também tinha um motivo pessoal para rasgar a foto. No livro, ela relata os abusos físicos que sofreu da mãe durante a infância. Quando sua genitora morreu, Sinead tinha 18 anos. A única imagem na parede do quarto da matriarca era a foto do Papa. A artista guardou-a e esperou o momento certo para destruí-la.
"O abuso de crianças é uma crise de identidade, e a fama é uma crise de identidade. E por isso, fui direto de uma crise de identidade para outra", explicou.
O cabelo raspado da artista também tem explicação no livro. Sinead ainda era adolescente quando começou a trabalhar o disco The Lion and the Cobra. Na época, um executivo a convidou para almoçar, com a ressalva de que ela precisava ser mais feminina e deixar o cabelo crescer. Por isso, foi ao barbeiro e raspou a cabeça, hábito que manteve até o fim da vida.
A primeira parte do livro foi escrita em 2015, mas a cantora precisou de um tempo para revisitar o projeto por ter tido "um colapso nervoso total", além de ter passado por uma histerectomia (remoção do útero). Sinead passou por diversas internações em instituições de saúde mental. Ela era diagnosticada com síndrome de estresse pós-traumático e distúrbio borderline.