Há um horror inominável rondando os Estados Unidos da América. Tiros e facadas transformam dias normais em tragédias a céu aberto. E, por trás de toda a violência, nenhuma razão lógica.
É nesse cenário de desespero que é ambientado o livro As Sombras do Mal – As Fitas de Blackwood, Vol. 1, nova parceria do cineasta Guillermo del Toro com o escritor Chuck Hogan, que chegou ao Brasil pela Intrínseca (320 páginas, R$ 44,90 o livro e R$ 29,90 o e-book, tradução de Stephanie Fernandes). Depois do sucesso da trilogia The Strain, eles assinam mais um romance que une as raízes de Hogan no thriller com o mundo fantástico de Del Toro, vencedor do Oscar com A Forma da Água (2017) e indicado por O Labirinto do Fauno (2006).
O livro apresenta ao público o detetive do sobrenatural Hugo Blackwood – um aceno ao escritor Algernon Blackwood, esclarecem os autores antes da história sequer começar. Cavalheiro saído da Inglaterra do século 16, com ternos negros de seda e uma pele translúcida de branca, Hugo é mais uma assombração nas páginas do que um personagem. Ainda assim, é sua existência que liga as diferentes tramas apresentadas pelo romance.
A primeira é da agente do FBI Odessa Hardwicke, ambientada nos dias atuais. Novata na agência, ela vê um dia normal com seu parceiro e mentor, Walt Leppo, evoluir de forma catastrófica após um político roubar um pequeno avião, decidir sair com ele atirando por Nova Jersey, retornar para casa somente para massacrar a própria família. Na mansão, Odessa e Leppo tentam impedi-lo – ou pelo menos é o que ela pensa.
Assim que o político é abatido, é o parceiro dela quem parece estar possuído por um desejo assassino. Quando ele ameaça ferir uma criança, Odessa não pensa duas vezes e atira fatalmente no próprio colega. Ele morre quase instantaneamente, mas primeiro a agente presencia uma entidade invisível deixar seu corpo.
Enquanto as complicações de Odessa apenas aumentam, à medida que o FBI passa a questionar suas ações na missão e até sua sanidade, o leitor é convidado a retornar no tempo e conhecer a trajetória de outro agente. Earl Soloman, um dos primeiros negros aceitos na agência, está desembarcando no Mississipi em plenos anos 1960.
Sua missão é desvendar o misterioso enforcamento de um homem branco, após o linchamento de vários homens negros na cidade. No segregado Sul dos Estados Unidos da época, não é preciso muito até que os seguidores da Ku Klux Klan apareçam no lugar, em busca de uma visão de justiça completamente distorcida. Earl logo percebe, contudo, que o caso está envolto em um mau menos óbvio que supremacistas brancos aterrorizando o local com capuzes pontudos.
A origem dos horrores que ele enfrenta são similares aos de Odessa e em ambos os casos a resposta para seus problemas é: Blackwood. Cabe ao detetive do sobrenatural nominar o horror que ronda o mundo, assim como enfrentá-lo e vencê-lo. E ele sabe que é o fio condutor de uma história maior, quando afirma: "Tudo está conectado, nada é mero detalhe, nada é mera coincidência".
Se por um lado há revelações muito diretas de como essas conexões se encaixam no fluxo da história – nos desdobramentos da relação de Odessa, Earl, Blackwood –, há também um sentimento de que o detetive não está falando apenas de um mundo sobrenatural. Quando espíritos de homens inocentes escravizados são usados como fonte de ódio e ressentimento, ele censura a própria humanidade: "Se não falarmos dos erros do passado, e não lidarmos de forma honesta com eles, espíritos malignos vão continuar surgindo pelas fendas não cicatrizadas. Nesse ponto, cidades não são muito diferentes de pessoas", sentencia.
Então, é colocando as duas mãos nas feridas abertas do mundo que Del Toro e Hogan decidem contar a história de um mau invisível, capaz de transformar humanos em monstros, quando alimentado com ressentimento, raiva e dúvida. É apenas endereçando esses sentimentos, eles defendem, que algumas dessas feridas vão finalmente cicatrizar.