Nina Horta, há mais de 30 anos, tentou persuadir Rita Lobo a não ser cozinheira. A colunista de gastronomia não custou a notar, no entanto, que Rita era, além de linda como uma modelo inglesa, a mais teimosa das mulheres.
Nesta quarentena, a empresária comemora 20 anos do Panelinha, cujo embrião foi um site de receitas e atualmente conjuga editora, redes sociais, produtora de TV e marca de itens de mesa. Lança, ainda, seu 11º livro, Rita, Help! – Me Ensina a Cozinhar, produção-relâmpago caseira que chegou em julho às livrarias.
Uma maneira simplista de apresentá-lo é dizer que se trata de um livro de receitas básicas, capaz de munir o leitor de informação suficiente para que se vire na cozinha. Mostra-se aos leigos, portanto, um atraente aliado neste isolamento – já na pré-venda, ficou na lista dos mais vendidos da Amazon Brasil. Rita, Help! estabelece e estimula a sinergia com as múltiplas plataformas do Panelinha e cumpre sua missão de acolher e orientar um público que jamais cozinhou.
Rita, porém, é muito mais sagaz que isso. Por meio de suas receitas que funcionam, bordão que solidificou ao longo dos anos, ela fidelizou seguidores, e pôde travar, com reverberação, uma luta educativa pela alimentação saudável, fincada em produtos frescos ou minimamente processados.
Agrega à sua militância fundamentos científicos, extraídos da parceria com o Núcleo de Pesquisas Epidemiológicas em Nutrição e Saúde da Universidade de São Paulo, e repete, como mantra, que cozinhar é libertador – gera autonomia e melhores escolhas.
Escolhas conscientes são cada vez mais vitais na sociedade moderna, na qual a ritualidade das refeições tem sido corroída pelo fast-food, e as práticas alimentares têm se complexificado, com modismos nutricionais, uma robusta e agressiva indústria de ultraprocessados e excesso de informações contraditórias.
Leveza
Claude Fischler, cientista social francês, que vê na comida uma responsabilidade coletiva, diz que perdemos a competência alimentar e hoje vivemos uma agonia da escolha – condição que impõe fragilidade ao comedor.
Rita tanto partilha dessas noções que é esse consumidor que ela tenta fortalecer ao lhe ceder ferramentas para que cozinhe em casa e aprofunde seu repertório. Rita, Help!, pois, não é tão somente um apanhado de receitas exatas, escritas com leveza e humor.
O discurso de Rita, acessível e respeitoso com possíveis amedrontados, ajuda a ecoar seus lemas. Transpõe para texto recursos da oralidade que a aproximam dos leitores. Estreita ainda mais essa relação ao voltar-se para receitas típicas do brasileiro, feitas com o auxílio de utensílios caseiros.
Com objetividade, tem o hábito de escarafunchar elementos comezinhos, como o feijão, sem se tornar enfadonha. Passeia por temas como compras, higienização, métodos de preparo, ensina a transformar sobras em novos pratos, congelar, descongelar.
Uma de suas estratégias mais engenhosas é ensinar a lógica das receitas, como as proporções de ácido, gordura e temperos em um molho de salada, para que possam ser diversificadas com mais liberdade.
Para a autora best-seller a consciência altera o paladar. Nicola Perullo, um filósofo italiano especializado na percepção dos alimentos, crava que conhecimento pode estender e intensificar o prazer gustativo. É isso que Rita proporciona, por meio de uma mudança de hábito vital à saúde pública: prazer profundo e persistente.