Camilo Solano queria muito produzir uma Graphic MSP, revelam as notas de bastidores de Cascão: Temporal, o 26º título da coleção em que novos nomes do quadrinho nacional retrabalham os clássicos personagens de Mauricio de Sousa. Por duas vezes, o autor de Desengano (2015), que teve prefácio assinado pelo americano Robert Crumb, papa do underground, e de Semilunar (2017), finalista do prêmio Jabuti, "se convidou", mandando desenhos para o editor da série, Sidney Gusman.
Valeu a insistência. A estreia do quadrinista paulista de 31 anos na coleção traz algumas de suas marcas. Estão lá a arte calorosa e de gestos largos, embora carregada, aqui e ali, de traços de uma melancolia domingueira; a prosa interiorana que nos brinda com aforismos saborosos ("Paciência é igual a dinheiro, a gente só finge que tem"); uma nostalgia da infância, uma saudade do tempo em que as coisas são mais simples.
Simplicidade: eis um trunfo de Temporal (editora Panini, 96 páginas, R$ 31,90 na versão capa cartonada e R$ 41,90 na capa dura). Camilo não inventa em sua narrativa – deixa isso a cargo do coadjuvante de luxo de Cascão. É o tio Gerson, personagem que já havia dado as caras em histórias da Turma da Mônica (ainda que muito esporadicamente) e que, por coincidência, tem o mesmo nome do pai do quadrinista, o que lhe permitiu manter a abordagem pessoal com a qual costuma trabalhar.
Tio Gerson faz mágica: reverte um fim de semana chuvoso – a tragédia do menino que tem medo de água – com um banho de imaginação. Em uma trama, acertadamente, econômica em diálogos (os desenhos dizem tudo o que precisamos), Gerson leva o sobrinho para um mundo de fantasia, habitado inclusive por alguns representantes da fauna gerada por Maurício de Sousa. A porta de entrada? Os gibis.
É uma cena linda, que une tanto os personagens da HQ quanto os seus leitores: as crianças, maravilhadas pelo passeio empreendido por Cascão sem sair de casa, e os adultos, embarcados em uma viagem por suas memórias. E se o isolamento do melhor amigo do Cebolinha remete ao nosso distanciamento social, a mensagem final do Tio Gerson, escrita bem antes da pandemia de coronavírus, parece endereçada aos tempos que vivemos: depois do temporal, sempre vêm os bons ventos.