Boa parte da força da literatura do escritor espanhol Javier Marías vem da tensão em seus romances entre a forma – labiríntica, suntuosa, com frases longas que parecem construídas por um narrador que vai pensando nos detalhes enquanto os descreve – e seu tema, normalmente girando em torno dos efeitos do desconhecimento e do mistério. No início de seu romance mais conhecido, por exemplo, Seu Rosto Amanhã, o narrador afirma que “Ninguém nunca deveria contar nada, nem fornecer dados nem veicular histórias”. E, na sequência, desenrola uma história de mais de mil páginas sobre um círculo de espiões e traições que é também um estudo psicológico aprofundado.
Falar da trilogia Seu Rosto Amanhã não é despropositado ao refletir sobre Berta Isla, livro mais recente de Javier Marías, que está ganhando edição agora no Brasil. Centrado em uma mulher que convive com a dúvida e a espera por seu marido espião, Berta Isla não deixa de ser uma espécie de avesso complementar à alentada série anterior de três livros.
Berta é casada com Tom Nevison, a quem conheceu ainda na escola. Ambos se mantêm fiéis à ideia de se casar mesmo após um período de namoro à distância em que ele, meio espanhol e meio inglês, vai estudar em Oxford – período durante o qual ambos aproveitam a liberalidade dos anos 1960 para ter outras experiências que não mudam em nada sua aspiração de ficarem juntos.
É na volta de Tom que o caráter algo idealizado e equivocado da relação se revela. Sem que Berta saiba, ele foi acusado de um crime na Inglaterra e só conseguiu se livrar da prisão aceitando juntar-se aos serviços secretos britânicos, trabalhando como infiltrado. Só anos mais tarde ela vai saber fragmentos duvidosos do trabalho de seu marido, o principal deles a necessidade constante de suas ausências e de seus segredos.
À medida que as longas ausências de Tom se tornam mais constantes até que ela não saiba sequer que está vivo, Berta, a Ilha (Isla) isolada em um matrimônio unilateral, precisa tentar rearranjar sua vida em torno não apenas de um marido ausente, mas da ideia de um casamento que talvez nunca tenha sido real.
Berta Isla
De Javier Marías
Tradução de Eduardo Brandão. Companhia das Letras, 552 páginas, R$ 89,89 (papel) e R$ 44,90 (e-book)
LANÇAMENTOS
Sistema Nervoso
De Lina Meruane
Chilena de origem palestina e radicada nos Estados Unidos, Lina Meruane cria neste romance uma narrativa claustrofóbica que oscila entre o macro e o micro. A protagonista, prestes a concluir uma tese sobre Astronomia, precisa interromper o trabalho devido a uma misteriosa doença que paralisa seu braço. Escrita em prosa sucinta e experimental, a trama também se expande para abarcar a desagregação familiar da personagem. Tradução de Sérgio Molina. Todavia, 240 páginas, R$ 59,90 (papel) e R$ 42 (e-book).
Meninos de zinco
De Svetlana Aleksiévitch
Livro no qual a jornalista e vencedora do Nobel enfoca a ocupação soviética do Afeganistão, entre 1979 e 1989. Como já sabem leitores de obras como Vozes de Tchernóbil e A Guerra não Tem Rosto de Mulher, Svetlana monta um mosaico de vozes, transcrevendo declarações de seus entrevistados na primeira pessoa para formar um panorama abrangente do tema. Tradução de Cecília Rosas. Companhia das Letras, 368 páginas, R$ 59,90 (papel) e R$ 39,90 (e-book).
Alexandre e outros heróis
De Graciliano Ramos
Nova edição de um dos livros menos conhecidos e mais surpreendentes de Graciliano Ramos, reunindo três obras: Histórias de Alexandre, A Terra dos Meninos Pelados e Pequena História da República. Com um tom que passeia pelo picaresco, a história que dá título ao livro transforma uma série de lendas sertanejas em um recorrido de histórias e bravatas do carismático mentiroso Alexandre. Este volume mantém o posfácio de Rui Mourão incluído na edição de 2003. Record, 256 páginas, R$ 49,90.
Ninguém é pequeno demais para fazer a diferença
De Jeanette Winter
Aos 17 anos, uma garota sueca faz barulho pelo clima com discursos inflamados sobre o aquecimento global. A autora e ilustradora Jeanette Winter resolveu trazer aos jovens um resumo das ideias de Greta Thunberg, retomando sua trajetória das ruas de Estocolmo às conferências da ONU — que lhe deram fama internacional. O livro ilustrado conta com citações diretas da ativista e chamados para que mais pessoas se unam à sua causa. Tradução de Lígia Azevedo. Companhia das Letrinhas, 40 páginas,
R$ 44,90