Virou convenção nos últimos anos no mercado editorial a ideia de que um livro de contos precisa de uma unidade para ser bom. Aranhas, coletânea que o escritor catarinense Carlos Henrique Schroeder está publicando neste início de março, parece, à primeira vista, revelar o quanto isso tem de arbitrário, já que o mote “aracnídeo” de seus contos é tênue e parece aleatório. A progressão da leitura desmente a impressão. Ao nomear um livro em homenagem a predadoras implacáveis, Schroeder deixa claro um dos motivos recorrentes da sua obra: a violência tácita das relações contemporâneas.
Aranhas reúne 32 contos. Cada um deles com o nome comum de uma aranha seguido de sua denominação científica. É também um livro de pulsação entrecortada. A cada duas ou três narrativas muito breves, de meia página, às vezes um único parágrafo, desponta uma história mais longa, com um caráter experimental que se deixa ver na forma como os subtextos são trabalhados: narrativas episódicas em que a ligação é sutil não apenas com o motivo das aranhas, mas entre os elementos do próprio conto.
Por vezes, a ligação é mais óbvia, como Saltadora (Evarcha culicivora). Nomeado em referência a uma aranha que se alimenta de fêmeas de mosquitos com o ventre cheio de sangue, tem um paralelo óbvio com a história central, a da professora Ana, que, após cortar a mão descascando uma laranja, se vê alvo de inesperados assédios sexuais provocados pelo sangue que brota de seu dedo. Por vezes, a conexão é mais tênue, como em Cuspideira (Scytodes thoracica), no qual uma outra professora, Amanda, é acionada por um pai de aluno a intervalos para ver como andam as coisas com o filho, que mora longe da família e estuda na capital Florianópolis. Mesmo que cumpra a obrigação de má vontade, Amanda mantém com o jovem uma relação tão territorialista quanto a da aranha que dá título ao texto. Uma relação que o estudante, Rodrigo, tenta romper em um gesto desesperado e transgressor.
Alguns contos não trazem aranha alguma, apenas alusões que podem ser identificadas no subtexto elíptico da narrativa. Como as predadoras que dão ao conjunto a sua unidade, contudo, os personagens de Schroeder nestes contos são guiados por necessidades, não por afetos. Os bons sentimentos são raros, as relações são ásperas e as intenções, obscuras. Uma teia de seres tentando encapsular em suas vidas um breve lampejo de sentido.