Você aí talvez não conheça o trabalho de Natalia Ginzburg (1916-1991), mas deveria. "Deveria" talvez não seja o termo, e sim "merecia", uma vez que a beleza de sua prosa e a sutileza de seu olhar são alegrias que todos ganhariam em compartilhar. Uma boa chance está em As Pequenas Virtudes, reunião de breves textos, misto de ensaio e memória, que é uma ótima apresentação da literatura da autora italiana.
Natalia nasceu em Palermo em 1916, numa família intelectual judia de esquerda (seu sobrenome de solteira era Levi). A infância passada entre livros, discussões políticas e amigos como o poeta Cesare Pavese e o editor Giulio Einaudi foi retratada por ela em uma joia da ficção memorialística, Léxico Familiar. Neste As Pequenas Virtudes, uma coletânea de artigos publicados em jornais e revistas entre os anos de 1945 e 1962, o foco é outro: o entretecer da memória com o ensaio, a reflexão sobre temas urgentes e a recuperação cálida de momentos e pessoas.
As Pequenas Virtudes já havia tido edição recente no Brasil, no ano de ocaso da editora Cosac Naify. Agora, ganha nova circulação pela Companhia das Letras, que está republicando toda a obra da autora, inclusive Léxico Familiar. A primeira parte do livro compila textos sobre o cotidiano de uma mulher errante. Como na pequena cidade de Abruzzo, onde Natalia e seu primeiro marido, Leone Ginzburg, ambos militantes antifascistas, foram mantidos em internação pelo regime de Mussolini (Leone morreria em 1944 na prisão de Regina Coeli, torturado pelos nazistas). Ou em Londres, onde registra sua perplexidade com os ingleses. Há também o resgate da figura de Cesare Pavese, a quem ela dedica uma afetuosa elegia sobre suas excentricidades: "Tratava a nós, seus amigos, com maneiras ásperas, e não perdoava nenhum dos nossos defeitos; porém se estivéssemos sofrendo ou adoentados, se mostrava de repente solícito como uma mãe".
Na segunda parte, Natalia mergulha, com insights ricos e prosa irrepreensível, em temas gerais que permitem à autora uma meticulosa autoanálise. O Meu Ofício é um relato brilhante de uma autora que tenta entender sua própria formação. E no ensaio que dá título ao livro, Natalia, mãe de três filhos (um deles o mais tarde historiador Carlo Ginzburg, autor de O Queijo e os Vermes), especula sobre o tipo de educação ideal: "No que diz respeito à educação dos filhos, penso que se deve ensinar a eles não as pequenas virtudes, mas as grandes".
As Pequenas Virtudes, de Natalia Ginzburg
- Tradução de Maurício Santana Dias.
Companhia das Letras, 128 páginas
R$ 44,90 (papel) e R$ 29,90 (e-book)