Como desfrutar do sono dos justos após jurar a inocência de um assassino? Dilemas assim, que tirariam a paz de muitos, fazem parte do cotidiano de advogados criminalistas. Parece óbvio, mas nem todos têm estômago – tanto que a mesma faculdade que forma o defensor também forja o acusador, o promotor. E aquele que vai dar o veredito, o juiz. Nesse mundo de togas e reverências, de linguajar rebuscado e dedos em riste, o teatro vai até o fim ou há espaço para um uísque entre oponentes? A Justiça é cega, mas até onde vão suas simpatias?
Recortes das pequenas grandezas e grandes vilanias do entorno dos tribunais estão presentes no mais novo thriller de um expert no assunto, o criminalista gaúcho Daniel Tonetto. No segundo volume da sua trilogia Crime em Família, ele detalha a trajetória do autor de um assalto com morte (latrocínio) até seu julgamento.
É ficção, mas não parece. Está ancorada em mais de 250 julgamentos dos quais participou o próprio Tonetto, um dos mais conhecidos advogados santa-marienses.
Como no primeiro volume, Crime em Família 2 traz um impagável desfile de advogados corruptos ou que enriqueceram em defesa de gente duvidosa, promotores mal-humorados e juízes vaidosos. Ou vice-versa. E, como tempero, aquela miscelânea de personagens do submundo: traficantes, presidiários, policiais e agentes, com sua agenda própria de como acertar contas e fazer Justiça.
Tonetto é bem-sucedido ao entrelaçar os destinos de vítimas e algozes, em tramas que mesclam suborno, paixão, vícios e virtudes. Não há santos, mas não faltam vilões nesse enredo repleto de mortes. Desfechos, óbvio, só no terceiro volume.
Crime em Família, Livro 2
Daniel Tonetto, 252 páginas, Gráfica Palotti
TRECHO
"...Na ocasião, o denunciado investiu contra a vítima munido de um revólver calibre 38, não apreendido e, ante a resistência dela em entregar sua bolsa, disparou 5 vezes contra ela, como confirma o auto de necropsia da folha 29 do inquérito policial. O crime foi cometido com o intuito de obtenção de valores ou escambo para aquisição de mais entorpecentes por parte do denunciado, par fazer uso na primeira noite de carnaval que estava chegando”.
Jerison sabia que tudo aquilo era verdade, mas sentia uma indignação por estar sendo acusado. Era difícil de entender por que estava perplexo com a situação, pois tinha plena consciência de que era culpado. “Aquele delegado filho de uma mãe está querendo ferrar com a minha vida”, pensou, e continuou a ler o que continha naquela acusação.