Não é por que uma história aconteceu com você que o seu relato sobre ela será o mais preciso – este é um dos pontos focais das três narrativas reunidas no livro Sebastopol, estreia em livro solo do autor Emilio Fraia.
Fraia estreou na literatura em 2008, em O Verão do Chibo, um livro em conjunto com a escritora Vanessa Bárbara. Pouco depois, foi incluído na compilação da Granta dos 20 melhores jovens escritores brasileiros. Mais tarde, publicou uma graphic novel, e só agora apresenta um livro só seu para fazer a prova dos nove de seus méritos como narrador e estilista. Resulta que Fraia é ótimo na primeira função e menos eficiente na segunda.
O livro compila três contos longos (ou três novelas, se alguém ainda lembra dessa distinção) em que o centro da narrativa é a tentativa de seus personagens comunicarem seu mundo interior por histórias. No primeiro, a alpinista Lena, ao ver em uma exposição uma videoinstalação que parece narrar sua própria vida, decide repassar os fatos de sua trajetória, inclusive um grave acidente, em uma carta para a autora do vídeo.
No segundo, o dono de uma pousada semiabandonada no Centro Oeste, Nilo, tenta encontrar seu único hóspede, um homem que chegou ao lugar, se instalou e narrou com detalhes sua vida antes de desaparecer. Na terceira, uma jovem sem nome começa a colaborar com um diretor de teatro outrora cultuado e hoje em decadência, para montar uma peça reconstituindo a vida de um pintor russo do século 19.
Um dos elementos unificadores dos três textos é o modo como Fraia distancia o leitor da narrativa por meio de várias camadas justapostas. Lena está contando sua versão de sua própria história, mas essa versão é mais fiel que a do vídeo misterioso depois de ela ter passado tanto tempo contando-a? “O que eu tinha feito com a minha história? Sendo bem honesta, fiz o que as pessoas fazem o tempo todo. Contar as histórias, recontá-las, congelá-las, dar sentido a elas (...). E a história é repetida até apagar tudo, e já não sabemos mais o que é o quê”.
A história de Nilo começa como um conto policial, com ele e o empregado esvaziando a piscina de água barrenta da pousada em busca do possível corpo do hóspede. A terceira narrativa é a versão de uma jovem aspirante a escritora que parece ter outra história em mente o tempo todo. É uma estrutura que torna os contos interessantes devido a seu caráter elíptico e incerto. A prosa, contudo, embora tenha grandes momentos, por vezes confunde achados com clichês.
Sebastopol
Emilio Fraia
Objetiva/Alfaguara, 120 páginas, R$ 44,90 (papel) e R$ 29,90 (e-book)
OUTROS LANÇAMENTOS
CLORO, De Alexandre Vidal Porto
Seguindo os passos do Brás Cubas machadiano, Alexandre Vidal Porto narra este romance pelas palavras de um morto, Constantino Curtis, advogado que estabeleceu uma respeitável vida burguesa enquanto mantinha em sigilo sua condição de homossexual por cinco décadas. Após um evento trágico abalar sua vida familiar de homem casado e com dois filhos, Constantino se entrega a uma vida dupla tentando exercer sua sexualidade sem revelar sua real natureza. É o terceiro romance de Porto, diplomata brasileiro autor do elogiado Sérgio Y. Vai à América. Companhia das Letras, 152 páginas, R$ 49.90 (papel) e R$ 39,90 (e-book).
BONE, de Jeff Smith
Com este primeiro volume, a Todavia começa o relançamento no Brasil, em cores, da série em quadrinhos Bone, do americano Jeff Smith, um dos marcos dos quadrinhos independentes. Publicada originalmente entre 1991 e 2004, Bone narra a história de três primos, criaturas cartunescas branquelas e carecas que, expulsas do seu vilarejo de origem, chegam a uma terra desconhecida em que os humanos de uma aldeia com ares medievais convivem (ou combatem) com criaturas como ratazanas gigantes e dragões falantes. Mistura exata de ação, humor e fantasia. Tradução de Érico Assis. Todavia, 448 páginas, R$ 79,90.
POESIA COMPLETA, de Alceu Wamosy
Ao lado de Galba de Paiva (1893-1938) e Gonçalves Vianna (1890-1934), Alceu Wamosy (1895-1923) completa o grupo de “poetas trágicos” de Uruguaiana, homenageado em 2017 com a reunião de seus três bustos em uma praça na zona central da cidade. Este livro é mais um resultado do esforço dos pesquisadores Colmar Duarte e José Édil de Lima Alves, que vêm se dedicando a divulgar o legado dos três autores e assinam textos de apresentação neste volume. Com influências simbolistas, Wamosy publicou livros de poemas com boa repercussão, mas teve a vida abreviada depois de lutar na Revolução de 1923, morrendo aos 28 anos. Movimento, 240 páginas, R$ 40.
MIL VIDAS VALEM MAIS DO QUE UMA, de Jean-Paul Belmondo
Autobiografia do ator que se tornou um dos rostos marcantes da revolução cinematográfica da Nouvelle Vague ao estrelar o longa de estreia de Jean-Luc Godard, Acossado. Nascido em 1933, Belmondo narra sua infância no interior da França, à sombra da II Guerra Mundial, até os altos e baixos de uma carreira icônica, na qual estrelou peças de teatro e mais de 80 filmes. Ele também narra causos de sua relação com grandes diretores como Godard, François Truffaut, Claude Chabrol, e estrelas como Alain Delon, Laura Antonelli e Claudia Cardinale. Tradução de Lavínia Fávero. L&PM, 272 páginas, R$ 41,90 (em papel) e R$ 29,90 (em e-book).