O romance mais recente da escritora Carola Saavedra nasceu de uma inquietação acadêmica. Ela havia, originalmente, pensado em realizar um projeto de pós-graduação sobre como a relação entre mães e filhas era representada na literatura brasileira. Achou muito poucos romances que se encaixavam na categoria, e daí pensou em escrever um ela própria. O resultado é Com Armas Sonolentas, publicado este ano, e que Carola apresenta em dois eventos hoje e amanhã em Porto Alegre – uma sessão de autógrafos na Livraria Baleia e uma mesa no Espaço Delfos, da PUCRS.
– Eu tinha uma ideia de fazer um projeto de pós-doutorado sobre o tema “mães e filhas na literatura brasileira”, pensando em romances brasileiros escritos por mulheres. E, para minha surpresa, durante a pesquisa achei muito pouca coisa, o que me parece muito sintomático: um tema tão básico e tão pouco representado – avalia a escritora de 45 anos, em entrevista por telefone.
Carola Saavedra nasceu em Santiago, no Chile, e mudou-se com sua família para o Brasil aos três anos. Estreou na literatura com um livro de contos, Do Lado de Fora, em 2005, e ganhou reconhecimento com seu primeiro romance, Toda Terça, publicado em 2007. Na década seguinte, ela concebeu mais quatro narrativas longas: Flores Azuis (2008), Paisagem com Dromedário (2010), O Inventário das Coisas Ausentes (2014) e esta mais recente. Também já foi finalista dos prêmios Jabuti e São Paulo, e, em 2012, foi selecionada para a edição da revista literária Granta dedicada a jovens escritores brasileiros.
Histórias de três mulheres
Com Armas Sonolentas repete algumas estratégias formais que se tornaram características do trabalho de Carola, como a narrativa construída a partir de múltiplos pontos de vista. No caso, são três os focos narrativos, não por coincidência três mulheres – interconectadas por relações que vão sendo expostas no decorrer da narrativa. A primeira é Ana, atriz brasileira de 21 anos que se casa com um reconhecido diretor de cinema alemão e se muda com ele para o interior da Alemanha. O romance com ares de "sorte grande", como amigos de Ana definem, logo amarga à medida em que a jovem vai afundando numa depressão provocada pelo profundo desenraizamento, pela solidão da casa em que passa a maior parte do tempo sozinha (o diretor, entregue a novos projetos, passa muito tempo fora), pela estranheza do idioma.
A segunda mulher, Maike, é uma jovem universitária alemã que decide, em um impulso que até para ela parece imotivado, estudar português. Essa escolha vai desenterrar elementos esquecidos e ignorados de sua identidade. A terceira narrativa é a de uma adolescente de origem pobre e família numerosa que, ao completar 14 anos, é mandada para morar na casa de uma família de posses no Rio de Janeiro, onde também trabalhará como empregada, no misto de servidão e acolhimento muito comum na história da exploração laboral brasileira.
O romance se constrói na minuciosa investigação interna das três personagens e no aprofundamento de suas angústias e incertezas. Todas as três são acossadas por uma noção arraigada de desconforto e de desenraizamento: saudade de casa, inadequação com a família. O elemento fundamental, contudo, é a relação entre mães e filhas, já que todas trazem questões não resolvidas com as mulheres que as puseram no mundo:
– Era importante para mim pensar numa genealogia feminina. É muito comum na literatura o tema do pai, da herança do pai para o filho. E eu achava que faltava pensar também nesse lado da avó, da mãe, da filha, da herança que passa de mulher para mulher.
Se a estrutura repete a que a escritora já havia usado em romances anteriores, neste há um elemento novo: uma fuga do estrito realismo para elementos fantásticos oníricos que pontuam o conjunto.
– Na realidade não era essa a minha ideia original. A partir do fim da primeira parte cheguei à conclusão de que precisava de um elemento fantástico que alinhavasse o livro. E quis que o leitor tivesse a experiência que eu tive enquanto escrevia: começar com um romance realista e depois deparar com o fantástico.
Lançamento do livro Com Armas Sonolentas
Nesta quarta (26), às 19h. Livraria Baleia (Rua Santana, 252), em Porto Alegre.
Com bate-papo da autora com as escritoras Natália Borges Polesso e Mariam Pessah.
Bate-papo com Carola Saavedra
Quinta-feira (27), às 19h30min. Delfos Espaço de Documentação e Memória Cultural, na Biblioteca Central da PUCRS (Avenida Ipiranga, 6.681, Prédio 16, 7º andar).
Debate da autora com Moema Vilela e Mariam Pessah. Entrada franca.