A princípio é preocupante: a premissa inicial de A Única História, romance mais recente do escritor inglês Julian Barnes, parece algo que você teria visto no primeiro capítulo da novela gaúcha Selvagens Inocentes (lembram?): "Todo mundo tem sua história de amor. Todo mundo. A história pode ter sido um fiasco, pode ter fracassado, pode nunca ter progredido, pode ter sido apenas fruto da imaginação, mas isso não a torna menos real (...) É a única história". Mas sendo Barnes o escritor que é, um dos maiores autores da língua inglesa em atividade, a riqueza de sua prosa e seu olhar ao mesmo tempo satírico e austero tornam este livro um estudo agudo da turbulência emocional do primeiro amor, associado a um panorama das transformações que precederam a revolução sexual.
No início dos anos 1960, Paul, universitário de 19 anos em férias da universidade na casa de seus pais em um subúrbio londrino, conhece, durante uma partida no clube de tênis, Susan, uma exuberante mulher casada de 48 anos. De uma aproximação amigável, ambos acabam logo deslizando para um caso amoroso tipicamente inglês, em que o decoro preside até mesmo as regras do ultraje. Enquanto o escândalo borbulha subterrâneo, Paul vira uma espécie de motorista de Susan, almoça com sua família e até, às vezes, ajuda seu marido no cuidado do jardim.
À medida que a ligação entre Paul e Susan se estende por anos além daquele verão inicial, as pressões sociais e o lento declínio de Susan se tornam um desafio para a visão romântica e um tanto ingênua que ele tem de seu primeiro amor. Dividido em três partes, o romance é marcado pelo seguro domínio narrativo de Barnes, que lança mão de vozes e pessoas gramaticais diversas para cada seção.
A Única História é um belo livro, mas, depois da ousada recriação da vida de Shostakovich em O Ruído do Tempo, não deixa de representar uma volta de Barnes a um terreno seguro. Embora tenha seus méritos individuais, também parece fruto inevitável de um contexto. Ela pode fazer um díptico com uma das obras mais aclamadas do autor, O Sentido de um Fim (2011), enquanto resgata com um olhar renovado a ambientação de seu primeiro romance, Metroland (1980). Ao mesmo tempo, é um livro que parece apresentar sua versão de um tema que se tornou caro a outros autores ingleses contemporâneos de Barnes: não a transformação radical dos costumes com a revolução comportamental dos anos 1960, mas o choque de mentalidades da transição inicial e seu efeito em pessoas que, ainda jovens, carregam as marcas de uma formação repressiva. Foi o que Ian McEwan fez em Na Praia (2007) e o que Martin Amis abordou em A Viúva Grávida (2010).
Agora, Barnes também oferece sua visão do tema: "Ninguém, naquela época, fazia sexo recreativo. Bem, talvez fizessem, mas não davam esse nome a ele. Naquela época, naquele lugar, havia amor, e havia sexo, e havia uma mistura dos dois, às vezes complicada, às vezes ininterrupta, que às vezes funcionava e às vezes não".
PRATELEIRA
A TEMPESTADE, DE WILLIAM SHAKESPEARE
Elvio Funck avança em seu projeto de traduzir a obra completa de Shakespeare. Esta edição segue o padrão da coleção, que apresenta o texto alternando versos originais e em português, sem rima. Próspero desembarca em uma ilha com sua filha, Miranda, depois de ser destronado pelo irmão e encontra o espírito Ariel e o nativo Caliban. Caliban foi interpretado como símbolo dos povos colonizados na releitura de Augusto Boal que serviu de base para o espetáculo Caliban, atualmente no repertório da Tribo de Atuadores Ói Nóis Aqui Traveiz. Tradução de Elvio Funck. Edunisc/Movimento, 168 páginas, R$ 49,50.
A ALMA DA MARIONETE, DE JOHN GRAY
Com o subtítulo Um Breve Ensaio sobre a Liberdade Humana, este livro do filósofo inglês John Gray, conceituado autor do ensaio Cachorros de Palha, discute os variados matizes da relação humana com a noção de liberdade. Ao discutir conceitos de metafísica, gnosticismo, religião e mesmo de ciência avançada, Gray relativiza a liberdade ilimitada do sujeito contemporâneo – a própria noção de liberdade, na visão de Gray, parece a muitos hoje em dia uma fonte inesgotável de angústia devido à necessidade constante de escolhas. Tradução de Clóvis Marques. Record, 126 páginas, R$ 42,90 (impresso) e R 32,90 (digital).
NADA SERÁ COMO ANTES: 2013, DE ALEXANDRE HAUBRICH
Jornalista e cientista social, Alexandre Haubrich recupera neste misto de ensaio e reportagem as manifestações que sacudiram o Brasil ao longo de 2013 e que resultaram no atual quadro de polarização e instabilidade política e institucional. Haubrich pontua que Porto Alegre foi o lugar em que as manifestações de fato começaram. Participante de primeira hora das movimentações ligadas aos protestos pelo transporte público, Haubrich tenta traçar uma linha delimitando o surgimento, o crescimento das manifestações, sua disseminação e seu refluxo. Editora Libretos, 216 páginas, R$ 44,90.
OESTE, DE CARYS DAVIES
Primeiro livro publicado no Brasil desta escritora galesa, que constrói aqui uma história ao mesmo tempo épica e de grande concisão. Na primeira metade do século 18, um fazendeiro americano embarca em uma viagem fascinado pela notícia de que fósseis gigantescos foram encontrados ao sul dos Estados Unidos e deixa para trás sua fazenda e sua filha pequena. Por meio da trajetória do fazendeiro e das consequências de sua ausência na vida da filha, Davies traça um panorama mesclando história e drama pessoal. Tradução de José Rubens Siqueira. Alfaguara, 128 páginas, R$ 44,90 (impresso) e R$ 29,90 (e-book).