Philip Roth, um dos gigantes da literatura americana do século 20, morreu aos 85 anos, na terça-feira (22), seis anos depois de ter anunciado a aposentadoria e sem ter vencido o Nobel - prêmio que ironicamente não terá a edição de 2018 após o escândalo sexual envolvendo um dos membros da Academia Sueca.
Depois de mais de meio século de uma carreira que o tornou famoso em todo o mundo, em 2012 o autor anunciou que não tinha "mais nada para escrever" e que não tinha energia para administrar a frustração que acompanha a criação literária.
Uma decisão que voltou a explicar em agosto de 2017 ao jornal francês Libération:
- Contar histórias, isto que foi tão precioso durante toda minha existência, já não é o centro da minha vida. É estranho. Nunca imaginei que algo assim poderia acontecer - explicou.
Nêmesis, publicado em 2010, foi o último romance publicado pelo escritor, que vivia entre seu apartamento no Upper East Side de Nova York e uma casa em Connecticut.
Roth foi reconhecido com múltiplos prêmios: o Pulitzer em 1998 por Pastoral Americana, o National Book Award em 1960 por Adeus, Columbus e em 1995 por O Teatro de Sabbath, além do Príncipe das Astúrias de Letras em 2012. Também foi citado durante muitos anos entre os nomes cotados para vencer o Nobel.
Neto de imigrantes judeus do leste da Europa, nascido em Nova Jersey, perto de Nova York, Roth escreveu 31 romances. Seus relatos provocadores sobre a moral pequeno burguesa judaico-americana, sátiras políticas, reflexões sobre o peso da história, ou mais recentemente sobre o envelhecimento, ficam com frequência na fronteira entre a autobiografia e a ficção.
Seu texto exigente e sua lucidez implacável ocupam um lugar único na literatura americana da segunda metade do século 20, sendo o único escritor vivo cuja obra foi publicada pela prestigiosa coleção Library of America.
Primeiros livros, primeiros mal-entendidos
Nascido em Newark em 19 de março de 1933, filho de um corretor de seguros, tinha apenas 26 anos e era professor de Literatura Inglesa quando publicou sua primeira obra, Adeus, Columbus. O livro de relatos fez sucesso, e um rabino criticou o autor por, na sua opinião, apresentar uma visão deformada dos valores fundamentais do judaísmo.
Roth se tornou um autor conhecido por todos em 1969 com O Complexo de Portnoy, que gerou grande polêmica. No livro, o jovem protagonista aborda sem qualquer reserva com seu psicanalista a sua obsessão pela masturbação e o relacionamento com a mãe possessiva, os Estados Unidos e o judaísmo.
A obra rendeu fama mundial ao escritor, mas representantes da comunidade judaica consideraram que o romance estava impregnado de antissemitismo. Outros enxergaram pura e simplesmente pornografia.
- Fico feliz de escrever sobre sexo. Um tema extenso! Mas a maioria das coisas que conto em meus livros nunca aconteceram. No entanto, são necessários alguns elementos de realidade para começar a inventar - disse anos depois.
No fim dos anos 1970, influenciado entre outros pelo autor americano Saul Bellow, Roth iniciou uma série de nove livros nos quais o protagonista era um jovem romancista judeu, Nathan Zuckerman, geralmente considerado seu alter ego.
Entre os livros da série estão três de seus maiores sucessos: Pastoral Americana (1997), sobre os estragos da guerra do Vietnã na consciência nacional; Casei com um Comunista (1998), sobre o macartismo; e A Marca Humana (2000), que denuncia um país puritano e voltado para sim mesmo.
Philip Roth também é conhecido por Os Fatos (1988), uma autobiografia de seus 36 primeiros anos de vida, iniciada após uma depressão.
A frustração de escrever
Em Complô contra a América (2004), imaginou o destino de uma família de judeus americanos, se os Estados Unidos tivessem passado para o lado de Hitler em 1940. O romance estabelece uma história alternativa do país, na qual imagina que Franklin D. Roosevelt foi derrotado na eleição de 1940 por Charles Lindbergh, um aviador com inclinações pró-nazismo.
Roth é autor ainda de Operação Shylock (1993), no qual o narrador tem o nome Philip Roth, mas na realidade é apenas um homônimo do escritor.
A velhice e a morte marcaram suas obras mais recentes, como Fantasma sai de Cena (2007) e A Humilhação (2009).
- Escrevo ficção e me dizem que é autobiografia. Escrevo autobiografia e me dizem que é ficção. Então, como sou tão bobo e eles tão espertos, deixem que eles decidam o que é e o que não é - afirmou.
Pouco afeito a entrevistas, Roth explicou em 2012, no entanto, por que parou de escrever.
- Não tenho mais energia suficiente para suportar a frustração. A escrita é frustração, uma frustração cotidiana, para não dizer humilhação - declarou ao The New York Times.
- Não posso mais enfrentar os dias em que escrevo cinco páginas e jogo fora - completou Roth, que escrevia de pé desde que percebeu que andar de um lado para o outro liberava sua mente.
* AFP