Mauricio de Sousa por pouco não morou em Porto Alegre. Desenhista iniciante, com meses de aluguel em atraso, foi cortejado por amigos com uma casa própria na Capital e condições ideias para a criação artística. No entanto, deu-se conta em tempo de que aquele era "o próprio canto da sereia" e desistiu da ideia. Em consequência, sofreu até ameaças de violência física.
Essa e outras histórias do quadrinista mais bem sucedido do país vêm a público agora, com a autobiografia Mauricio: A História que Não Está no Gibi, que acaba de chegar às livrarias. No relato, Mauricio conta como o filho de um barbeiro do interior paulista se tornou um gigante do entretenimento no Brasil, detendo 80% do mercado infantojuvenil nas bancas e espalhando seus personagens em desenhos animados, filmes e rótulos de diferentes produtos.
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– Escrevi para os leitores entenderem como foi dura minha trajetória. Não foi bolinho. Quem quiser seguir um caminho como esse precisa ter muita vontade, teimosia e foco – diz o desenhista..
A tentativa de assentar Mauricio em Porto Alegre ocorreu no final de 1961, quando Leonel Brizola (1922 – 2004) estava patrocinando uma cooperativa de desenhistas brasileiros. Mas, segundo o pai da Mônica, seria preciso adaptar a postura de seus personagens, tendo viés ideológico, tornando-os "defensores do proletariado". O quadrinista, que afirma não ser de direita nem de esquerda, desistiu na hora. Em seguida, recebeu um telefonema de alguém que não se identificou, sugerindo que ele poderia quebrar o braço ou a mão "de um jeito que você não vai conseguir desenhar nunca mais". Mauricio não mudou de ideia. "No futuro, sobretudo a partir de 1964, os críticos diriam que os personagens da turminha eram alienados, que o mundo podia cair que eles não assumiriam posições. Sim, é isso mesmo. Eles são crianças, não fantoches ideológicos", escreve o autor.
É com esse tom direto que Mauricio conduz a autobiografia. Na verdade, apesar do estilo confessional em primeira pessoa, o texto foi preparado pelo jornalista Luís Colombini, que também escreveu Guga, um Brasileiro, sobre o tenista catarinense.
– Eu e o Luís nos encontramos semanalmente na minha casa por cerca de um ano. Não eram entrevistas. Eram conversas. A gente ia falando sobre o que vivi por duas, três, às vezes quatro horas seguidas. Eu ia lendo o que ele ia produzindo e dizendo "essa palavra eu não uso" ou "é melhor mudar essa expressão", para que o livro ficasse com a minha cara. Além disso, ele é um jornalista investigativo, então conseguia complementar vazios da minha memória – conta Mauricio.
Apesar de não se considerar de esquerda ou direita, no início dos anos 1960 o quadrinista foi rotulado de comunista e banido da imprensa, pois militava a favor da reserva de mercado para o quadrinho nacional na Associação de Desenhistas de São Paulo (Adesp), entidade que chegou a presidir. Depois de negar a vinda para Porto Alegre, foi a vez de ser criticado pela esquerda. Foi assim que, já casado e com três filhas, dedicou-se de modo quase obsessivo à criação de suas tiras e fundou sua própria empresa para negociar seu trabalho, importando o modelo das distribuidoras americanas de quadrinhos – Mauricio já havia trabalhado na imprensa paulistana como repórter policial, aprendendo como se dava a compra e a venda dos desenhos. Era o início da Bidulândia Serviços de Imprensa, que começou publicando em pequenas gazetas paroquiais, mas logo seduziu jornalões cariocas e paulistas.
Viradas como a da Bidulândia foram constantes na vida de Mauricio de Sousa e o fizeram construir uma carreira ímpar no mercado brasileiro. Hoje com 10 filhos, 11 netos e três bisnetos, estima que seus livros e revistas alcancem 10 milhões de leitores por mês. E os números devem seguir em crescimento: o desenhista, que já conquistou espaço em países como China e Coreia do Sul, deve lançar em breve a Turma da Mônica jovem no Japão.
– Aqueles que cobravam como meus personagens deviam ser e se comportar já foram embora há muito tempo. Hoje me sinto livre, leve e solto para criar do jeito que eu quero e que funciona – comemora o autor.
MAURICIO: A HISTÓRIA QUE NÃO ESTÁ NO GIBI
De Mauricio de Sousa, em depoimento a Luís Colombini
Biografia, Sextante, 336 páginas,R$ 49,90.