À direita de quem entra, há um mostruário de vidro e acrílico, com celulares em exposição. Logo em seguida, o visitante encontra uma estrutura também reluzente com notebooks e tablets. Já ao final do corredor, três adolescentes manipulam joysticks, cada qual diante de uma tela brilhante e colorida. Não parece, mas estamos em uma livraria.
Quem visita grandes lojas de livros em shopping centers, as chamadas megastores, já deve ter percebido que setores de games, eletrônicos, brinquedos e papelaria têm tomado cada vez mais o espaço da literatura. As megastores estão abandonando os livros de seu foco principal? Os empresários do setor garantem que não, embora admitam que as lojas estão se transformando.
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– Não estamos colocando limites para nenhum tipo de produto, desde que tenha relação com cultura e lazer. A ideia é que estejamos abertos para atender ao público, dentro do que ele gosta e valoriza, sem preconceito. É o que chamamos de crossmarketing, que o cinema sabe fazer muito bem. Você assiste ao filme, ouve o disco, procura o livro, compra a camiseta – afirma Marcos Pedri, diretor comercial do grupo Livrarias Curitiba, com 27 lojas.
Pedri explica que o crossmarketing aumenta a venda dos livros. Funciona assim: quem vai à loja para comprar um videogame, por exemplo, pode se interessar por um livro relacionado ao jogo. Assim, alguém que não costuma comprar livros mudaria o próprio hábito. Pode até ser, mas o fato é que quase 50% do faturamento das Livrarias Curitiba é composto por produtos que não são livros – papelaria e eletrônicos são os mais rentáveis. Há cerca de 10 anos, esses setores representavam apenas 20% das vendas.
A Livraria Cultura de Porto Alegre, no shopping Bourbon Country, vende até máquina de café e tem um setor voltado exclusivamente à cultura geek, com jogos de tabuleiros, games e action figures. Mas a rede não revela quanto de seu faturamento vem desse tipo de produto. Já a rede Livraria da Vila estima que em torno de 80% de tudo o que recebe em caixa ainda provém da comercialização de livros.
– Temos papelaria e games, mas não queremos mudar nossa filosofia, porque aí você perde a identidade, não será nada. Não vamos trabalhar com eletrônicos, por exemplo. Isso seria desfigurar o negócio – diz Samuel Seibel, dono da rede Livraria da Vila.
Em 2016, notícias apontavam que as grandes redes livreiras passavam por dificuldades. Parte da imprensa divulgou que a Livraria Cultura estaria atrasando pagamentos a fornecedores. Depois, houve rumores de que a Cultura seria comprada pela Saraiva.
– Renegociamos prazos com nossos fornecedores, não deixamos de pagar ninguém – afirma Sergio Herz, CEO da Cultura. – A Livraria Cultura não fez nenhuma proposta à Saraiva e não recebeu qualquer oferta dessa empresa.
A Fnac também negou pela sua assessoria de imprensa que abandonaria o país, como foi noticiado por veículos jornalísticos recentemente.
Apesar dos rumores não confirmados, a crise pegou em cheio as megalivrarias. A rede Livrarias Curitiba, que vinha crescendo de 10% a 15% ao ano até 2015, teve uma retração de 4,2% em seu faturamento de 2016, se comparado ao do ano anterior. A queda foi maior para a Livraria Cultura: 8%.
Para os livreiros, a chegada ao Brasil da Amazon, loja eletrônica com amplo catálogo e preços reduzidos, não foi um baque representativo para o setor. A queda de faturamento estaria associada ao momento econômico do país.
– A maior dificuldade, que é comum a todo varejo, é o atual momento da economia, com vendas baixas e demais custos sendo reajustados sem a possibilidade de repasse para os preços. A concorrência é sempre bem-vinda – diz Herz, da Cultura.
Para voltar a crescer, a Livraria Cultura apostará cada vez mais no e-commerce, com a meta de ampliar de 30% para 70% a participação de sua loja virtual no faturamento geral em cinco anos. Mas Marcos Pedri, da Livrarias Curitiba, garante que há espaço a explorar fora da internet, principalmente nos shopping centers – a rede deve abrir mais uma loja em 2017 em Curitiba. E, apesar da variedade de produtos que oferece, Pedri assegura que os livros se adaptam bem aos shoppings:
– A cultura do shopping é irreversível a curto ou médio prazo. Quando está procurando um livro profissional, o cliente não liga tanto, compra em um site mesmo. Mas a nossa experiência é a de que o cliente gosta de ter o livro na mão, dar uma olhada e levá-lo na hora. Além disso, as pessoas gostam de ir ao shopping e sair com algo na mão. Isso combina com o livro, que é um produto barato se comparado a artigos de outras lojas, como vestuário, por exemplo.