No poema Grito, publicado em 1961 na obra O Coração Descoberto, Lila Ripoll prometia: "Não. Não irei sem grito./ Minha voz nesse dia subirá./ E eu me erguerei também./ Solitária./ Definida".
Três anos depois, a poeta natural de Quaraí seria, entretanto, silenciada. Nos primeiros dias de golpe militar, em 1964, a escritora foi presa por sua ligação com o Partido Comunista Brasileiro. A reclusão não duraria muito tempo. Lila seria libertada em seguida por estar com câncer em estado avançado. Mesmo doente, continuou se dedicando à poesia. Em 7 de fevereiro de 1967, há 50 anos, morreria em Porto Alegre.
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Passado meio século do dia em que a quaraiense se despediu de seus amigos, entre eles os escritores Cyro Martins e Mario Quintana, a voz da poeta, calada pela ditadura, ainda clama para ser ouvida. A obra de Lila, formada por oito livros de poemas e uma peça de teatro, é pouco conhecida pelas novas gerações, apesar de sua projeção como escritora em uma época em que a presença feminina era rara nos círculos de literatura.
– Em 2004, entrei em contato com a poesia de Lila e percebi que ela teve uma produção intensa. Era uma das poucas mulheres que tinham espaço no meio literário. Tinha reconhecimento. A crítica do momento a acolheu – afirma Cinara Ferreira, docente do Instituto de Letras da UFRGS e especialista em literatura feminina.
A obra da Lila, porém, demorou a ser reeditada, e as novas gerações não tiveram contato com seus livros.
– De certa forma, houve um esquecimento do trabalho dela. São poucas as disciplinas no curso de Letras em que os alunos entram em contato com essa poesia, que é gaúcha e feminina – constata Cinara, que completa:
– Lila é pouco estudada. Como professora na UFRGS, fico perplexa quando pergunto aos alunos se a conhecem e eles respondem que não, que nunca ouviram falar dela.
Professora extensionista da Universidade de Caxias do Sul e de Língua Portuguesa na rede municipal de Montenegro, Maria Cristina Müller da Silva, que analisou em seu mestrado as representações do sagrado na poesia de Lila Ripoll, defende que se estude na escola "além do cânone literário".
– São pouquíssimas as mulheres que foram valorizadas, estudadas e citadas na literatura brasileira. Sempre levo para a aula poemas das mulheres que ajudaram a escrever a nossa história, como a Lila e a Lara de Lemos. E, a partir delas, faço com que os alunos reflitam sobre a invisibilidade dessas mulheres e sobre o que diziam em seus poemas.
Lila Ripoll foi sem dúvida uma mulher à frente de seu tempo. Nascida em Quaraí, na fronteira oeste, em 1905, mudou-se para Porto Alegre entre 1927 e 1928, a fim de completar seus estudos de piano no Conservatório de Música – hoje Instituto de Artes da UFRGS. Na Capital, destacou-se como escritora, jornalista, pianista e professora, além de ter realizado um importante trabalho na esfera política.
Apesar de seu reconhecimento no campo literário – conquistou o Prêmio Olavo Bilac, da Academia Brasileira de Letras, em 1941, por Céu Vazio, e o Prêmio Pablo Neruda da Paz, por Novos Poemas, de 1951 –, Lila teve uma vida marcada por desgraças. O assassinato de seu primo e irmão de criação, Waldemar da Silva Ripoll, por questões políticas, em 1934, teria incentivado-a a ingressar no PCB.
Por seu envolvimento com a sigla, a escritora enfrentou dificuldades depois que o partido foi colocado na ilegalidade, em 1947. Em 1949, o marido, o engenheiro Alfredo Luis Guedes, morreu inesperadamente após um derrame. No fim da vida, com câncer, Lila teria sido despejada junto à mãe octogenária de seu apartamento. Os reflexos do sofrimento que enfrentou estão em sua poesia, com sua lírica preferencialmente intimista.
– E como não ser, por momentos, triste ou angustiado, em um mundo tão cheio de brutalidade e egoísmo, tão falho de ternura e de amor? O mal não está em falar da tristeza e da angústia. O mal é não encontrar saída para a desesperação – declarou Lila em uma entrevista ao jornal Diário de Notícias, de Porto Alegre, em outubro de 1961.
Para Lairton Ripoll, 77 anos, sobrinho-neto da escritora, a imagem que ficou de Lila "no seio da família após a sua passagem foi a de uma excelente combatente". Diz ele:
– Ela foi uma guerreira até o final na sua luta contra o câncer, doença que a levou de perto de tantos que admiravam sua produção intelectual ou comungavam com suas ideias de liberdade.
OBRA COMPLETA
Poesia
- De Mãos Postas (Livraria do Globo, 1938)
- Céu Vazio: Poesia (Livraria do Globo, 1941)
- Por quê? (J. Olympio, 1947)
- Novos Poemas (Horizonte, 1951)
- Primeiro de Maio (Horizonte, 1954)
- Poemas e Canções (Horizonte, 1957)
- O Coração Descoberto (Vitória, 1961)
- Águas Móveis: Poemas Inéditos (1965)
Teatro
- Um Colar de Vidro (1958)
Antologias
- Antologia Poética (organização de Walmyr Ayala, Instituto Nacional do Livro, 1967)
- Poesias (organização de Sergio Faraco, Cadernos do Extremo Sul, 1968)
- Ilha Difícil: Antologia Poética (organização de Maria da Glória Bordini, Ed. Universidade, 1987)
- Obra Completa (org. Alice T. Campos Moreira, IEL, 1998)