Pensadas equivocadamente mesmo por muitos jornalistas como um respiro inocente entre páginas impressas, as charges e cartuns, quando são eloquentes, podem ser um testemunho de época tão eficiente como um longo e documentado artigo. É o que se percebe folheando as 272 páginas de A Graça do Dinheiro: As Melhores Charges da New Yorker Sobre Economia (1925 – 2009), que reúne mais de uma centena de peças de humor gráfico publicadas em uma das mais prestigiadas revistas norte-americanas (mesmo hoje, quando as ideias de prestígio e veículo impresso parecem não frequentar muito a mesma vizinhança). Organizado pelo editor de charges da publicação, Robert Mankoff, o livro conta com uma apresentação do jornalista britânico e colunista da New Yorker Malcolm Gladwell, também autor de livros como O Ponto da Virada e Fora de Série.
Uma publicação como esta não deixa de ser um objeto curioso. Ao longo de quase um século de atividade, a New Yorker se consolidou como um modelo de jornalismo: textos longos e artigos aprofundados, análises extensas que reviram uma questão por diversos ângulos – um padrão que seria copiado ao redor do mundo. O que há de curioso neste conjunto de peças de humor gráfico é verificar que a mesma revista que sempre ofereceu os mais longos textos sobre os temas do momento também sistematicamente apresentou estas pérolas de síntese humorística que retratam de maneira quase documental as transformações promovidas nos EUA (e por extensão em boa parte do mundo ocidental) pelo avanço do capitalismo
Mais do que uma coletânea do fino do humor gráfico americano (que influenciou o desenho de imprensa ao redor do mundo todo), A Graça do Dinheiro é um passeio histórico. Estruturado por décadas, ele traz a visão dos ilustradores da publicação sobre questões que foram evoluindo ao longo do tempo, e que apresentam uma curiosa circularidade. A Depressão, no naufrágio de Wall Street e a quebra do mercado de ações, com suas funestas consequências, são tema de várias charges das décadas de 1920 e 1930 – algumas assinadas por nomes como Peter Arno, um dos grandes capistas da publicação; William Steig, prolífico cartunista e autor infantil que escreveria décadas mais tarde o livro no qual se baseou o primeiro longa em animação da série Shrek; Charles Addams, que se tornaria célebre como o criador da Família Addams.
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O livro prossegue no retrato das transformações do mundo econômico. Nos anos 1940, estão lá o baque na economia provocado pela II Guerra, as ondas de demissões arbitrárias e as tensões entre empresas e organizações sindicais. Nos anos 1950, aparecem o crescimento da sanha tributária, o aumento do custo de vida, o estabelecimento da cultura corporativa de alta competição que vai continuar essencialmente a mesma até hoje. As tensões entre o modelo capitalista e a juventude contestadora dão a tônica nos anos 1960, e a chegada da crise do petróleo e da inflação galopante, nos anos 1970. Nos anos 1980 e 1990, é a vez do renascimento do agressivo mercado de ações e da chegada do capitalismo eletrônico. Finalmente, um novo naufrágio de Wall Street nos anos 2000, com uma outra crise de mercado de consequências globais.
A GRAÇA DO DINHEIRO: AS MELHORES CHARGES DA NEW YORKER SOBRE ECONOMIA (1925 – 2009)
Organizado por Robert Mankoff.
Tradução de Rodrigo Lacerda. Zahar, 272 páginas, R$ 69,90