O mapa da literatura em Porto Alegre está mudando. No fim de novembro, duas das mais atuantes livrarias da Capital surpreenderam leitores com más notícias: a Palavraria, no Bom Fim, corre o risco de encerrar as atividades, caso não encontre um comprador, e a Sapere Aude!, na Cidade Baixa, fechou definitivamente as portas, atuando agora somente pela internet. Com vasta programação de bate-papos, cursos e lançamentos, ambas as lojas funcionavam como centros culturais informais e representavam duas das poucas livrarias de calçada a resistir na cidade. Esse modelo de negócio, no entanto, não está se encaminhando para o fim, e sim se reformulando: enquanto lojas tradicionais fecham, novas alternativas surgem.
Entre os motivos elencados para a tentativa de venda da Palavraria, que está há 13 anos no mercado, e o fechamento da Sapere, com nove anos de experiência, está a retração econômica.
– O movimento cai em janeiro, mas cresce em março. Só que não cresceu em 2016. E 2017 não há previsão de melhora. Alguém que reformule a loja e o acervo pode levar a melhor nesse cenário. Nós estamos cansados – diz Carlos Luiz da Silva, sócio da Palavraria.
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Enquanto isso, os donos da Taverna, mais nova livraria de calçada da cidade, instalada há quatro meses na Rua Fernando Machado, no Centro Histórico, veem seu espaço prosperar.
– É claro que está difícil. Há dois anos, quando éramos livreiros itinerantes, montar uma banca em um evento poderia render o triplo do que rende hoje. Mas a livraria não está em queda. Aliás, se a curva se manter levemente ascendente, podemos nos mudar para um espaço um pouco maior das proximidades em 2017 – diz André Günther, que fundou a livraria com o colega de Ciências Sociais Ederson Lopes.
Com espaço reduzido, a Taverna alia acervo qualificado com mesas para tomar café ou cervejas artesanais e promoção de lançamentos – eles garantem que já reuniram mais de 50 pessoas no pequeno local, que anteriormente abrigava uma oficina de motores. Acervo cuidadoso e eventos já constituíam a fórmula de locais como a Palavraria, mas a explicação para o sucesso talvez esteja no público. Grande parte dos clientes é formada por jovens com idades semelhantes às de Ederson, 31 anos, e André, 24. São estudantes e trabalhadores que não trocam as calçadas da cidade pelos shopping centers.
– Percebemos que o nosso público, que é um pouco mais velho, ficou mais receoso em relação à violência – afirma Carlos Luiz da Silva, da Palavraria. – Se não tem lugar para estacionar, seguem de carro para o shopping.
Não é o que ocorre na Taverna. Tampouco da Baleia, livraria com dois anos de atuação no bairro Santana.
– Meu público não é de quem trocaria a livraria pelo shopping. O pessoal vem numa boa, a pé ou de bicicleta – conta Nanni Rios, proprietária da Baleia.
Crise atinge também as grandes redes
Com espaço físico (e, consequentemente, custos) maiores que os da Taverna, a Baleia tem também espaço para cursos, que somam metade da receita. A loja não costuma dar lucro – não ter prejuízo já é uma satisfação para Nanni, que não tem na livraria sua principal fonte de renda.
– É um espaço que toma partido. Temos o nosso lado. Privilegiamos a autoria feminina e trabalhamos a tônica LGBT. A Baleia está saudável, não tanto como negócio, mas em relevância, e me abre portas para muitas coisas, incluindo trabalhos – explica Nanni.
O cenário não está difícil apenas para os pequenos livreiros. Em novembro, a notícia de que a Livraria Cultura estava atrasando pagamentos de fornecedores começou a circular. Além da retração econômica, outro fator abalou as grandes redes: a entrada da Amazon no Brasil. A multinacional tem atraído os editores – e consequentemente roubado clientes dos demais livreiros. Apesar da crise, contudo, as megastores nacionais seguem sendo as principais concorrentes para os livreiros de calçada:
– As lojas de shopping oferecem coisas que não conseguimos mais oferecer, como segurança, estacionamento e grandes áreas para circular. Além disso, elas negociam diretamente com editoras, sem passar pelas distribuidores – explica Carlos Cartell, da Sapere Aude!.
Por fazer compras em larga escala e diretamente de editores, as grandes redes compram livros com descontos de até 50% em suas aquisições. Já livrarias como Sapere e Palavraria conseguem, em média, 30% de desconto.
Embora pequena, a Bamboletras também conta com conveniências semelhantes às dos shoppings. Localizada no Centro Comercial Nova Olaria, oferece segurança, estacionamento e boa circulação de consumidores. A proprietária do espaço, Lu Vilella, tem seis funcionários para atender ao público:
– Estamos há 20 anos no mesmo local. Em 2016, fomos muito bem. Não sei como será 2017. Deve ser um ano difícil, mas lembro que já superamos Plano Collor e outros momentos ruins.
Mas a Bamboletras, como as outras pequenas livrarias da cidade, é também um projeto motivado mais por paixão do que por retorno financeiro.
– Jamais pensei em aumentar a loja. Não quero ficar rica. Quero trabalhar com o que gosto, no meu ritmo – diz Lu.
Onde ficam
Palavraria
Vasco da Gama, 165, Bom Fim. Aberta de segunda a sábado, das 11h às 21h.
Bamboletras
Lima e Silva, 776, Cidade Baixa. De segunda a sábado, das 10h às 22h, e domingo, das 15h às 22h.
Taverna
Fernando Machado, 370, Centro. De segunda a quinta, das 11h às 20h, sexta, das 11h às 21h, e sábado, das 12h às 21h.
Baleia
Santana, 252.De terça a domingo, das 10h às 20h.