Embora hoje esteja pulverizada entre mil variantes que vão do lirismo descompromissado ao comentário político com tom de textão de Facebook, na origem a crônica era um relato ligado aos acontecimentos mais prementes de seu tempo. Para que um certo tipo de crônica continue assim focada na realidade, no noticiário e navegue o arriscado gume que separa o perene do datado, é necessário uma visão de mundo peculiar e um texto de grande qualidade. É o que o jornalista Moisés Mendes apresenta em Todos querem ser Mujica, seleção de 60 textos publicados na imprensa em que o autor exercita uma das boas características do gênero: lançar um olhar abrangente a partir de situações observadas no microscópio da notícia.
Os artigos reunidos no volume foram escritos entre 2014 e 2016, e por isso partem, quase sempre, de episódios cruciais desses dois anos especialmente tumultuados na política nacional e internacional. O que eleva o livro acima de análises de ocasião é a forma livre e elegante com que o autor, um jornalista com ampla bagagem e décadas de atividade, costura comentários sobre imigrantes, crise econômica, descrédito dos atores políticos, cidade, literatura, com histórias de estrada, memórias de episódios vividos no Interior em sua juventude ou como repórter viajante.
São três os eixos que, mais do que estruturar a unidade dos textos, funcionam como uma declaração de princípios de Moisés como jornalista: curiosidade, um humor generoso, nunca agressivo, e um acervo de histórias invejável, a ponto de poder abrir uma crônica com um parágrafo como este:
"Uma tarde dessas, eu e o Kadão Chaves sentamos no bar aqui da Redação e afastamos todos os que tentavam se aproximar para falar de futebol e política. Lembrávamos o dia em que descemos a Mostardeiro, numa manhã gelada de julho, ao lado de Gisele Bündchen."
O resto eu não conto, mas o Moisés conta, lindamente, em seu livro.
Todos querem ser Mujica
De Moisés Mendes
Diadorim, 154 págs., R$ 40. Encontro com o autor nesta quinta, às 17h, no Auditório Barbosa Lessa do Centro Cultural CEEE Erico Verissimo (Rua dos Andradas, 1.223). Autógrafos, às 19h, na Praça de Autógrafos.