A investigação de um jornalista sobre a suposta identidade da misteriosa escritora italiana Elena Ferrante, que nunca revelou o nome verdadeiro ou teve uma foto divulgada, provocou polêmica e críticas sobre a invasão de privacidade por conta do método utilizado pela reportagem. De acordo com a investigação do repórter Claudio Gatti para o jornal italiano Il Sole 24 Ore, a tradutora Anita Raja seria a escritora Elena Ferrante.
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A reportagem, baseada em pagamentos e contas da tradutra, termina por revelar a identidade de um dos grandes fenômenos literários dos últimos anos. O nome verdadeiro da autora da tetralogia A amiga genial, que escreve desde os anos 1990 sob pseudônimo, era um mistério, apesar das várias tentativas da imprensa de descobrir sua real identidade.
Raja, de 63 anos, judia de origem polonesa, que trabalha atualmente como "freelancer" para a Edizione e/o, editora que comandou no passado e que publica a obra de Ferrante, é conhecida por ser uma especialista em autores alemães e por ter traduzido, entre outros, livros de Franz Kafka.
A investigação de Claudio Gatti para a prestigiosa página cultural dominical do jornal econômico Il Sole 24 Ore é baseada nos pagamentos feitos à autora e nos imóveis que Anita Raja e seu marido, o escritor Domenico Starnone, registraram nos últimos anos.
A pequena editora romana que publica a obra de Ferrante, da qual Raja atualmente aparece como colaboradora, registrou um aumento de arrecadação de 65% em 2014, quando os livros de Elena Ferrante se tornaram bestsellers. O volume aumentou 150% no ano passado, com o sucesso internacional da série, que tem como pano de fundo a cidade de Nápoles em meados do século XX e tem como protagonistas as amigas Lila e Lenú.
Os pagamentos a Anita Raja evoluíram de modo similar, de acordo com a reportagem: "Nenhum colaborador, funcionário ou tradutor receberam pagamentos tão elevados. Além disso, um tradutor independente em geral não recebe muito. Os pagamentos de 2014 e 2015 de Raja são compatíveis com os valores gerados pelos direitos autorais", escreveu Gatti.
Procurada pela AFP, a editora se recusou a fazer comentários. "Estamos muito irritados com a violação da privacidade, tanto da editora como de Ferrante. Não faremos nenhuma declaração", afirmou a empresa ao jornal econômico. Apesar da investigação, tanto a autora como a editora se recusaram a romper o silêncio.
Além dos pagamentos a Anita Raja, o jornalista investigou o patrimônio imobiliário do casal. De acordo com Gatti, Raja e o marido compraram dois grandes apartamentos em Roma e uma propriedade na Toscana nos últimos anos, todas em áreas valorizadas, com um custo conjunto de milhões de euros.
A revelação provocou indignação em alguns setores na Itália, em particular entre os escritores, que exigem do jornal a mesma dedicação às pessoas que fraudam impostos. "Estamos diante de uma página negra do jornalismo italiano", afirmou a escritora Loredana Lipperini.
Gatti também examina os dados familiares. Raja, nascida em Nápoles, mas criada desde pequena em Roma, é filha de um magistrado napolitano, Renato, casado com Golda Frieda Petzenbaum, professora de alemão, judia alemã de origem polonesa, que sobreviveu ao holocausto nazista.
Os livros de Elena Ferrante provocaram verdadeira comoção nos últimos anos, ao capturar o leitor com sua linguagem particular e porque percorrem 60 anos da história recente da Itália, com um olhar feminino e feminista a partir de um bairro pobre de Nápoles.
A saga já foi publicada em mais de 30 países, incluindo o Brasil, Estados Unidos e várias nações da Europa, onde também aparece na lista dos mais vendidos.
Esta não foi a primeira vez que o nome e sobrenome da enigmática escritora foi revelado. Há dois anos, as principais suspeitas apontavam para Raja.