– O que faço nu, no guarda-roupa de um quarto de motel em Araguaína, no Tocantins? – questionava-se Ricardo Chaves, o Kadão, então fotógrafo de O Estado de S. Paulo. Kadão mal respirava para não bater nas portas e evitar que elas se abrissem.
Era mais um dia de trabalho para Kadão, mais um em seus 40 e tantos anos de trajetória no fotojornalismo, nos quais acumulou histórias nas principais redações do país. Suas memórias (e imagens) estão reunidas no livro A força do tempo – Histórias de um repórter fotográfico brasileiro, que será lançado nesta quinta-feira no Centro Histórico-Cultural da Santa Casa.
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Kadão era estimulado por amigos a contar suas histórias em livro, mas resistia à ideia. Até que foi o homenageado da 7ª FestFotoPoa, em 2013. O evento planejava lançar um volume sobre ele, mas não conseguiu patrocínio. O projeto foi ressuscitado por Pedro Haase Filho, da Quati Produções Editorais, e viabilizado pelo Fumproarte.
No livro, Kadão conta suas peripécias – como a cobertura da primeira viagem do papa João Paulo II à Polônia e os retratos de Leonel Brizola em seu exílio uruguaio.
– Minha ideia foi não sonegar o que foi ser um fotógrafo dos anos 1970, 80 e 90. Passei por transições como a do jornal em preto e branco para o colorido e a chegada da fotografia digital – explica o autor.
No princípio, Kadão acreditava que a fotografia se limitava ao que era produzido para o jornal. Até conhecer o trabalho do francês Henri Cartier-Bresson.
– Percebi com Cartier-Bresson que o troço podia ser mais sério do que eu estava imaginando. Um livro autoral feito por um fotógrafo, com uma linguagem própria. Criou-se outra dimensão para mim – relata o retratista de 66 anos, que hoje assina a coluna Almanaque Gaúcho em Zero Hora.
Na obra, Kadão apresenta também passagens embaraçosas. Uma delas aconteceu quando trabalhava na Agência Estado.
Ele viajou para cobrir a ida do presidente Fernando Collor a Nova York. Estava à espera de Collor, mas, como ninguém aparecia, saiu para comer com dois colegas. Ao retornarem, foram alertados de que a então ministra da Economia, Zélia Cardoso de Mello, desembarcou de carruagem no local. E eles perderam a cena. A solução foi alugar outra carruagem e pedir para a ministra posar para o trio. Ela topou.
– A história é boa, mas me envergonha...
Já ficar espremido no armário em um hotel do Tocantins é uma história vitoriosa. Na ocasião, Kadão improvisou um estúdio para revelar as fotos de um protesto – a população de Araguaína estava revoltada com a escolha de Miracema como capital provisória do Estado. A imagem revelada foi para a capa do Estadão. Ossos do ofício.
A força do tempo – Histórias de um repórter fotográfico brasileiro
De Ricardo Chaves. Biografia/fotografia, Libretos,184 páginas, R$ 50.
Lançamento nesta quinta-feira, às 19h30min, no Átrio do Centro Histórico-Cultural da Santa Casa (Independência, 75), na Capital.