A fila começou cedo diante do Theatro São Pedro na manhã deste domingo. Pouco depois das 10h, já havia gente aguardando para assistir a uma das principais atrações internacionais da 62ª Feira do Livro de Porto Alegre, o escritor israelense David Grossman, que falaria às 11h, com mediação da jornalista e escritora paulista Adriana Carranca.
Celebrado como uma das grandes vozes do pacifismo no Oriente Médio, o autor de romances como Ver: amor, A mulher foge e o recente O inferno dos outros falou sobre literatura, processo criativo e sobre a tensa situação política de Israel. Grossman disse que procura manter o otimismo e a esperança mesmo tendo vivido toda sua vida em uma das regiões mais conflagradas do planeta.
– Nunca vivi sob a paz – contou o escritor, que nasceu em Jerusalém, há 62 anos, cresceu ouvindo os pais referindo-se à "besta nazista" da II Guerra e, há 10 anos, perdeu um filho durante um combate no Líbano.
Apesar de a literatura produzida por Grossman ter forte vínculo com Israel, as reflexões do autor sobre o fazer literário transcendem seu país de origem. Para ele, criação artística e esperança estão associadas.
– A imaginação e a esperança estão unidas no homem. A esperança é um ato de imaginação, de criação – afirmou o escritor. – A essência da imaginação é a liberdade. Quando imaginamos, sentimos algo como uma elevação, vislumbramos diferentes modos como a realidade poderia se combinar e ser diferente.
Protagonista do seu livro mais recente, O inferno dos outros, o comediante Dovale ganha a vida apresentando números de stand-up para pequenos públicos em uma decadente cidade de Israel. Para Grossman, a narrativa ilustra o potencial do humor para superar as situações de opressão:
– O humor é provocado por uma rápida mudança de ponto de vista. Se você consegue manter essa mudança de perspectiva, não é mais uma vítima.
Grossman defendeu a importância histórica da criação do Estado de Israel, mas criticou a violência empregada na ocupação dos territórios palestinos.
– Israel precisa de um exército, mas um exército não pode ser a única resposta para a complexidade que há no contexto em que está inserido – afirmou, provocando aplausos.
– Da mesma forma como defendo o Estado de Israel, também vejo a importância para os palestinos de viverem em um Estado em que se sintam protegidos, no qual tenham dignidade e possam desenvolver suas capacidades.
David Grossman também lembrou como a literatura foi essencial para que superasse um dos momentos mais difíceis de sua vida. Em 2008, dois anos após a morte do filho Uri, sargento do exército israelense atingido por um míssil do Hezbollah, o escritor lançou A mulher foge, romance que aborda o conflito árabe-israelense e o cotidiano de brutalidade estabelecido mesmo fora dos campos de batalha. O autor contou que o apoio dos amigos escritores A. B. Yehoshua e Amós Oz foi fundamental para que o livro, iniciado antes da morte de Uri, fosse concluído.
– Logo após os sete dias de luto, Yehoshua e Amós Oz vieram me visitar. Disse a eles que não sabia se conseguiria salvar o romance. Amós Oz, que é muito sábio, me respondeu: "Não se preocupe, é o romance que irá salvar você".
O encontro com o escritor David Grossman fez parte das comemorações dos 10 anos do Fronteiras do Pensamento, em uma parceria com a Feira do Livro de Porto Alegre e a Braskem.