Considerado um dos precursores do teatro contemporâneo, o francês Alfred Jarry (1873-1907) criou um personagem tido como antecipação do surgimento de líderes autoritários e sanguinários no início do século 20, como Hitler, Mussolini e Stálin. Pai Ubu é grotesco e cruel, e, apesar das desgraças que provoca e do consequente sentimento de esperança em um futuro mais evoluído, volta e meia surge em roupagens e nomes diferentes.
É nessa figura que se inspira a Tribo de Atuadores Ói Nóis Aqui Traveiz, um dos grupos de teatro mais importantes do Brasil, para o espetáculo de rua que estreia em Porto Alegre. Ubu Tropical terá apresentações gratuitas neste domingo (3) e nos dias 10 e 17 de março, sempre às 17h, no Parque Farroupilha (Redenção), próximo do Monumento ao Expedicionário.
— Foi um personagem avassalador na época em que surgiu. Nos últimos anos, no Brasil, vivemos essa ascensão do pensamento fascista que vai culminar na eleição de Jair Bolsonaro. Por isso, quisemos fazer um trabalho em cima do personagem do Pai Ubu. Porque o Pai Ubu é esse ser ambicioso, covarde, irracional, tudo de pior que o ser humano pode ser — diz o atuador Paulo Flores, 69 anos, um dos fundadores da Tribo.
Inspiração para grandes nomes do dadaísmo e do surrealismo, como André Breton, Alfred Jarry explorou o personagem de Pai Ubu em diferentes peças, como Ubu Rei, Ubu Acorrentado e Ubu Cornudo. No espetáculo do Ói Nóis, o personagem assume ares shakespearianos, sempre com uma estética teatral da comédia de bufões, seres que vivem à margem da lei e da ordem e que, de alguma maneira, fazem uma crítica à autoridade.
— O Pai Ubu é incitado pela Mãe Ubu a assassinar o rei e tomar a coroa para si. Aí começa uma longa série de atrocidades. A peça também traz uma ideia antimilitarista. O Jarry era um crítico do barbarismo que a França provocava nas colônias africanas. O Pai Ubu também quer dominar novos territórios, abre guerra contra a Rússia. Então, é algo muito condizente com os dias de hoje — explica Paulo.
Com 16 atores em cena, Ubu Tropical é o segundo grande espetáculo apresentado pelo grupo após a pandemia, depois de novas sessões de O Amargo Santo da Purificação (2008), que levou 24 artistas ao palco no fim de 2022. Durante a crise sanitária, a saída foi investir nas peças solo Quase Corpos, com Paulo Flores, Manifesto de uma Mulher de Teatro e M.E.D.E.I.A, ambos com Tânia Farias.
Junto de Clélio Cardoso, Paulo e Tânia formam a "velha guarda" da Tribo de Atuadores. Em Ubu Tropical, o trio ficará nos bastidores, atuando na parte técnica e na contrarregragem. No palco, quem brilha são os novos integrantes Rafael Torres e Helen Sierra, que assumem os papéis principais de Pai Ubu e Mãe Ubu, respectivamente, além de Marta Haas, Keter Velho, Eugênio Barboza, Roberto Corbo, Alex Pantera, Lucas Gheller, Márcio Leandro, Jules Bemfica, Gengiscan, Ellen Hiromi, Kayzee Fashola, Milena Moreira, Fabrício Miranda e Daniel Steil.
Doze dos novos nomes receberam uma bolsa para participar intensamente do processo de criação coletiva da peça. Com mais de quatro décadas de atuação, o grupo teatral vai lapidando novos rostos das artes cênicas de Porto Alegre.
— O Ói Nóis sempre esteve aberto a novos participantes. Muitas pessoas que hoje fazem teatro no Rio e em São Paulo passaram pelo nosso grupo. Neste momento, achamos importante trazer novos atores para o espetáculo — diz Paulo.
No domingo de 31 de março, às 16h, quando se completam 60 anos do golpe militar no Brasil e também o aniversário de 46 anos da Tribo de Atuadores, o grupo retorna ao Parque da Redenção com O Amargo Santo da Purificação, contando a história do guerrilheiro marxista brasileiro Carlos Marighella. Depois disso, passarão por vários bairros periféricos de Porto Alegre apresentando suas peças.
— O teatro de rua democratiza as artes cênicas, chega a uma grande maioria de pessoas que não tem acesso ao teatro. É formador de público — sublinha o atuador.
"Ubu Tropical", da Tribo de Atuadores Ói Nóis Aqui Traveiz
- Neste domingo (3) e nos domingos dos dias 10 e 17 de março, sempre às 17h.
- Parque Farroupilha (Redenção), próximo do Monumento ao Expedicionário, em Porto Alegre.
- Entrada gratuita.