Uma festa depois da outra, um gole depois do outro, até que os goles viraram garrafas e a badalação das festas virou a monotonia de uma clínica de reabilitação. E então a alegria virou angústia, a vida virou um dominó de recaídas e Bárbara, por mais que relutasse em reconhecer sua condição, entendeu que havia virado uma alcoólatra. A personagem dá nome ao espetáculo apresentado por Marisa Orth neste sábado (27), às 20h, e domingo (28), às 18h e às 20h30min, no Theatro São Pedro, em Porto Alegre (veja detalhes sobre ingressos ao final do texto), após uma aclamada temporada em São Paulo, onde a peça estreou em 2021.
A história contada sob a forma de monólogo por Marisa Orth é baseada no livro A Saideira: Uma Dose de Esperança Depois de Anos Lutando Contra a Dependência (editora Planeta), no qual a jornalista Barbara Gancia, conhecida por trabalhos na Folha de S.Paulo e no programa Saia Justa, do GNT, narra em detalhes as três décadas de sua batalha contra o alcoolismo. Não foi uma batalha fácil — como ela faz questão de deixar claro na obra —, mas foi e segue sendo uma batalha vitoriosa, pois Barbara está sóbria há 15 anos.
No espetáculo baseado na luta da jornalista, o problema do abuso de álcool é abordado com a responsabilidade necessária ao tema, mas sem abrir mão do irresistível bom humor de Marisa Orth. Até porque Barbara Gancia nunca transformou sua dependência química em martírio. Pelo contrário: o tom tragicômico e autodepreciativo que o público verá Bárbara, a personagem, usando ao contar suas desventuras é o mesmo usado pela Barbara da vida real para narrar sua história.
E foi ela própria que pediu ao diretor Bruno Guida, à dramaturga Michelle Ferreira e a Marisa, que participou ativamente da construção do texto, para que não transformassem sua história no mote de um drama.
— O tom do espetáculo é o tom que a Barbara já traz no livro — explica Marisa Orth. — Ela nos fez esse pedido: "Por favor, não afastem tanto a bebida da festa, porque ela está sempre perto. A minha vida foi uma festa, até que virou um pesadelo". Foi o que nós fizemos. E há margem para a alegria nessa história, sobretudo porque é uma história bem-sucedida: ela conseguiu controlar a dependência. A Barbara não morreu, não adoeceu severamente, embora tenha adoecido em muitos aspectos, e não ficou com sequelas irreversíveis.
O recurso do humor ajuda a tornar o abuso de álcool algo humano, palpável, passível de ocorrer com qualquer pessoa — o que de fato ele é. E serve, sobretudo, para humanizar a figura do dependente, comumente representado nas novelas e no cinema de maneira estereotipada, como alguém que vive em função da bebida, dorme e acorda bebendo, e é quase uma personificação do que se entende por "fundo do poço". Bárbara foge de tudo isso.
Para Marisa Orth, representações deste tipo contribuem para que as pessoas relutem ainda mais em se reconhecer como alcoólatras — ninguém quer ser a personificação do fundo do poço, afinal. Não é como se fosse impossível chegar ao breu por conta do abuso de álcool, mas ninguém precisa ir tão fundo na dependência para perceber que está na hora de parar.
É esse entendimento que o espetáculo deseja que permaneça com o público quando as cortinas se fecharem: é possível vencer o alcoolismo antes de ser vencido por ele.
— O livro e a peça mostram que você, um amigo seu ou uma amiga sua pode estar perto de virar alcoólatra, pois muitas vezes a pessoa já é dependente e não sabe — alerta Marisa. — Há muitos alcoólatras produtivos, muita gente que consegue levar uma vida que a gente olha e elogia enquanto está no último degrau do álcool. A própria Barbara Gancia não terminou a carreira dela por causa do álcool. Nem quando ela estava perto da morte física e psíquica ela parou de escrever. A coluninha estava sempre lá, os artigos, os livros... É uma doencinha cachorra.
Efeméride
O espetáculo é especial para Marisa Orth não somente pela urgência do tema — tampouco apenas porque foi a própria Barbara Gancia quem sugeriu que o papel fosse destinado a ela. Com Bárbara, a atriz atingiu três importantes marcos de sua trajetória artística: realizou seu primeiro monólogo; recebeu, no ano passado, o prêmio Bibi Ferreira de melhor atriz em peça de teatro por conta do espetáculo; e, aclamada, completou 40 anos de carreira em 2021, ano da estreia.
Apesar do conglomerado de motivos, a atriz não estava muito inclinada a fazer de Bárbara uma montagem alusiva às suas quatro décadas de trabalho. Mas acontece que "a imprensa adora uma datinha", como ela brinca, e o destino quis que o papel, um dos mais desafiadores que já interpretou, caísse em seu colo justamente em um período propício às celebrações. Não teve jeito, virou festa.
— Nunca comemorei nenhuma dessas datas de tempo de carreira. Não acredito muito nisso. Veja bem, os Beatles tiveram 10 anos de carreira, Amy Winehouse nem isso, ao passo que há gente que tem 90 anos de carreira e você nunca ouviu falar, entende? O que eu sinto é muita alegria e muito orgulho por conseguir viver do que eu vivo no nosso país. Isso sim é uma p*** conquista — diz a atriz.
A artista cita, entre outras dificuldades enfrentadas pelos trabalhadores da cultura, a especial dificuldade de se fazer teatro no Brasil. Diminuíram os investimentos e os recursos, ao passo em que, de modo geral, aumentou o desinteresse do público pela arte dramática. Mas não em Porto Alegre, como a atriz destaca.
— Eu sempre gostei muito de levar os meus espetáculos para Porto Alegre. Sempre fui muito bem recebida e sinto que a cidade ainda tem amor e prazer pelo teatro, sinto que há um público verdadeiramente interessado. E é isso que a gente quer: um público interessado — elogia a atriz, tecendo também uma crítica pontual. — O único problema de Porto Alegre é que a passagem está muito cara. Isso é o que? É Brexit? Vocês estão saindo do Brasil? P*** que pariu, bicho, que passagem cara (risos) — diverte-se.
Com o mesmo bom humor, a atriz adianta o que o público pode esperar de seus próximos trabalhos artísticos — e também aproveita para protestar:
— Além de Bárbara, tenho umas propostas de streaming, mas é aquela m**** que você assina um termo e não pode falar nada sobre isso. Se eu contar algo, é capaz de abrir a porta de um armário aqui e sair um homem para me enfiar uma faca no peito (risos). Só posso dizer que é uma coisa mais comédia, uma coisa mais reality. E também estou em vias de retomar o meu show, porque sem um projeto puramente musical eu não fico.
"Bárbara", com Marisa Orth
- Neste sábado (27), às 20h, e no domingo (28), às 18h e às 20h30min, no Theatro São Pedro (Praça Marechal Deodoro, s/n), em Porto Alegre
- Ingressos inteiros a partir de R$ 50, disponíveis no site do teatro
- Desconto de 50% para sócios do Clube do Assinante