Ao protagonizar o monólogo Pós-F, Maria Ribeiro está com Fernanda Young no palco. A atriz mata a saudade. Ela se transforma na amiga, que partiu em 2019. A autora partiu, mas seus pensamentos permanecem. De sexta-feira (11) a domingo (13), será possível reencontrar Fernanda no Centro Histórico-Cultural da Santa Casa, em Porto Alegre.
Com direção de Mika Lins, a montagem adapta o livro Pós-F: Para Além do Masculino e Feminino (Leya, 2019), primeira obra de não-ficção de Fernanda — que foi roteirista de séries como Os Normais e Shippados, além de apresentar programas como Saia Justa e Irritando Fernanda Young. Em textos autobiográficos, a escritora apresenta reflexões sobre feminismo e machismo, propondo um debate para além da polarização de gêneros. O livro ganhou um Prêmio Jabuti póstumo, na categoria crônica.
No palco, Maria dá voz às palavras de Fernanda. A estreia do espetáculo ocorreu em 2020, em apresentações online realizadas no Teatro Porto Seguro, em São Paulo (SP), para uma plateia vazia — no total, a peça acumulou mais de oito mil espectadores pela internet. Se antes a atriz focava na interação com quatro câmeras, agora há o olho no olho com o público.
Antes do projeto, Maria conhecia Fernanda só de “festinhas de firma”, embora admirasse a autora há anos. Quando a atriz passou a integrar o Saia Justa, declarou que desejava representar para os outros o que Fernanda havia representado para ela. Ao ler Pós-F, Maria admite que “enlouqueceu”:
— Eu não acreditei: Fernanda está questionando o feminismo em plena quarta onda feminista. Ao mesmo tempo em que é um livro muito feminista, aponta que algumas coisas podem ser exageros. Achei genial, pois estávamos vivendo um momento onde o discurso feminista estava muito higiênico. Ninguém tinha dúvida, todo mundo era bom. De repente, ela fala: “Sou feminista, mas acho que sou meio machista também”. Ela apresenta a coexistência de questões, inclusive porque somos de uma época X.
Maria classifica a abordagem de Fernanda como revolucionária por expor contradições do feminismo. “Corajosa” é um adjetivo que a atriz costuma repetir bastante para se referir à autora. Por ter se identificado bastante com o livro, ela decidiu produzir o monólogo.
Fernanda topou a empreitada, embora fosse um livro que ela nunca tivesse imaginado transformar em peça. Originalmente, a autora também iria dirigir o espetáculo. Depois, decidiu contracenar com Maria, sob a direção de Mika. As duas atrizes seriam a mesma pessoa: Fernanda. No palco, estariam vestidas iguais e passariam a peça inteira uma discordando da outra — uma representação da mente da escritora. Chegaram a fazer uma leitura do roteiro.
Quando estavam se preparando para ensaiar, Maria entrou na série Desalma. A atriz fez a ponte para a autora com Fernanda Nobre, que planejava a peça Ainda Nada de Novo. Pouco tempo depois, Fernanda morreu em 25 de agosto de 2019.
Maria lembra que ficou em choque no dia. Cancelou a gravação que faria. Não acreditava, tinha falado com Fernanda dias antes. Paralisada pela perda, ela deixou Pós-F de lado.
Meses depois, Mika entrou em contato com a atriz para retomarem o projeto. Surgiu a oportunidade de realizar o espetáculo no Teatro Porto Seguro, e o retorno foi positivo, apesar de um receio inicial:
— Estava em pânico, pois nunca tinha feito um monólogo. Ainda mais em meio ao caos da pandemia (risos).
Segundo a atriz, toda vez que encena Pós-F, sente Fernanda mais próxima. É como se a autora não tivesse morrido, tamanha a vivacidade do texto.
— A peça é como se você estivesse vendo a Fernanda no palco. Tínhamos muito a ver, há uma identificação. O texto é muito pessoal, como se a Fernanda estivesse contando as memórias dela. Me sinto cada vez mais próxima dela, mesmo ela não estando mais aqui — destaca.
Conforme Maria, Fernanda sempre esteve à frente de seu tempo e ajudou muitas mulheres com seus posicionamentos. A atriz ressalta que assistir à autora no Saia Justa equivalia a anos de terapia. Para ela, era uma “utilidade pública”.
— Lembro dela dizer coisas no Saia Justa como “eu sou ótima mãe, mas acho chato brincar com criança”. “Às vezes tenho inveja de não sei quem, sinto raiva”. Dizia que sentia coisas que todas as pessoas sentem, mas não têm coragem de admitir. Costumamos nos retrair, querendo parecer melhor do que a gente é. Ficamos com medo de viver verdadeiramente os nossos sentimentos que não são os mais nobres. E a Fernanda expunha tudo. Foi muito libertadora para mim num momento. Tinha a sensação que estava com uma Leila Diniz, que falava “tudo bem você sentir isso” — reflete Maria.
Pós-F
- Dias e local: Sexta (11) e sábado (12), às 20h; domingo (13), às 18h, no CHC Santa Casa (Av. Independência, 75)
- Ingressos a R$ 80 pelo site sympla.com.br.
- Duração: 50 minutos
- Recomendação: 14 anos
- Aviso: obrigatório uso de máscaras na plateia e nas dependências do teatro.