Ruas vazias, pessoas trancadas em suas casas e a incerteza do amanhã. O obscuro 2020 também afetou o patinador gaúcho Marcel Stürmer, quatro vezes medalhista de ouro em Jogos Pan-Americanos. Esses sentimentos foram traduzidos em Hollow, mundo em que é ambientado o espetáculo teatral Vagalumes, que Stürmer lança na próxima sexta-feira (17) em formato virtual.
Apaixonado pelos bastidores desde pequeno, Stürmer sempre fez questão de chegar antes do horário em suas apresentações para entender melhor "até como funcionava um painel de LED no fundo do ginásio". Essa curiosidade gerou, em 2018, a produção de seu primeiro espetáculo de patinação, Zbura: Campeões do Mundo Patinam o Natal, em São Paulo.
A proposta vai um pouco mais além em Vagalumes. Com narração da atriz Luana Piovani, a história acompanha Lola, uma garota que é obrigada a ficar trancada em casa devido a algo incerto. Fica assustada ao presenciar, ao seu redor, a busca desenfreada das pessoas por dinheiro enquanto o mundo passa por um ar de desesperança.
— Uma das coisas que mais percebi na pandemia é que a gente não confia mais nas pessoas. Vivemos desconfiando de tudo, achando que alguém vai nos passar a perna o tempo todo. Faz parte da autoproteção do ser humano, mas cada vez mais temos medo do amor que o outro pode nos dar, então vamos construindo muros — afirma Stürmer, em entrevista por telefone a GZH.
Apenas com poemas narrados no início de cada bloco, o espetáculo coloca o espectador dentro de Hollow sob o olhar de Lola e os números coreografados de cerca de 30 patinadores. Em cena, além de Stürmer, estão outros cinco patinadores estrangeiros, entre eles a italiana Silvia Lambruschi, tricampeã mundial de patinação artística, e o argentino Carlos Urquia, campeão mundial da categoria inline.
Após a construção do roteiro, os ensaios ocorreram de forma relâmpago em três meses, no segundo semestre deste ano, em um ginásio na zona sul de Porto Alegre. Os convidados do Exterior treinaram seus números a distância e vieram à Capital somente para as gravações, que ocorreram no final de outubro.
Envolvido em todas as etapas e contando com muito trabalho em equipe, Stürmer tem uma inspiração para fazer o projeto acontecer:
— De forma geral, tenho uma certa inquietude de querer fazer arte. O palco e a pista são os lugares em que me sinto mais eu, mais presente no mundo. É um lugar que vale a pena.
Social
Vagalumes também tem propostas sociais. A primeira delas é que o valor do ingresso é sugestivo: as pessoas podem pagar a partir de R$ 30 (e no máximo R$ 500). Após realizar a compra no site zbura.com.br, o espectador recebe um link, que estará disponível entre os dias 17 e 25 deste mês, em uma plataforma online.
Stürmer aponta que essa decisão está atrelada ao encarecimento dos ingressos. Como os protocolos sanitários reduziam a capacidade total dos teatros, o patinador via que o ingresso teria de ser o triplo ou o quádruplo do original para compensar as perdas:
— Quem poderia pagar isso seria só uma bolha da sociedade, e a gente precisa olhar para fora dela.
Outro aspecto é que parte da verba arrecadada será doada para a Casa de Apoio Madre Ana, local ligado à Santa Casa de Porto Alegre.
O instituto promove o acolhimento de pacientes pediátricos e adultos com câncer, transplantados ou com problemas cardíacos, vindos do Interior e outras partes do país — ação que conversa com a mensagem final de Vagalumes, na visão do diretor e produtor:
— Temos essa proposta de levar luz a quem precisa, e o projeto faz exatamente isso.
Em sua rotina, o patinador também se preocupa em espalhar luminosidade. Após ter se aposentado das pistas em 2015, o gaúcho coordena duas escolas de patinação — uma em Porto Alegre e outra em Goiânia (GO) — e um projeto social esportivo dedicado às crianças em Lajeado, sua terra natal.