Um dos mais importantes grupos teatrais da cena gaúcha, a Cia. Stravaganza segue a todo vapor: no dia 12 de junho, completou 33 anos de atividades ininterruptas. Para celebrar, o grupo estreia o trabalho em videoteatro 9 SAIAS, que dialoga com obras de Jamaica Kincaid, uma das principais vozes da literatura caribenha e cotada para o Nobel de Literatura. A exibição ocorre a partir desta quarta-feira (16) até domingo, sempre às 20h, no canal da companhia no YouTube, com acesso gratuito.
9 SAIAS pode ser traduzido como um experimento híbrido, com teatro, literatura, artes plásticas, música e audiovisual. Nele, é feita uma releitura de dois contos de Jamaica, Girl e My Mother, ambos de 1984, trazendo elementos biográficos característicos da narrativa da autora. Ao mesmo tempo, discute questões estruturais como machismo, homofobia e racismo na sociedade brasileira.
A ideia do projeto surgiu do próprio diretor Fernando Kike Barbosa, que traduziu My Mother enquanto cursava Letras na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). A partir de sua provocação, os artistas Adriane Mottola, Duda Cardoso, Janaina Pelizzon, Kiko Mello, Lauro Ramalho, Miriã Possani, Sandra Possani, Felipe Zancanaro, Ricardo Vivian e Sahasa Fabiana decidiram revirar suas memórias. No vídeo, esses relatos são intercalados com trechos dos contos de Jamaica, misturando o documental com o ficcional ao longo de seus 40 minutos de duração.
— A Jamaica está sempre falando da relação entre mãe e filha, mas a figura da mãe pode ser vista como a Inglaterra, uma vez que ela é caribenha e seus pais são africanos, e ela discute essas questões de pós-colonialismo e decolonialismo em suas obras. Essa relação também tem a ver conosco (os brasileiros) pelo processo de colonização dos portugueses: não nos vemos como índios ou como negros, sendo que a maioria da nossa população é negra — compara o diretor.
A corrente de pensamento decolonial vem ganhando cada vez mais espaço no mundo acadêmico e nas artes. O objetivo é repensar a produção de conhecimento, majoritariamente eurocêntrica. No que diz respeito ao teatro, Kike avalia que há um novo movimento, não somente da Cia. Stravaganza, mas de todo o setor para a crítica de fundações cimentadas em preconceito.
— É uma necessidade de renovação que está se espraiando, para usar um termo bem daqui, pela cena teatral, pela literatura. É urgente repensarmos nosso racismo estrutural, nossa misoginia — aponta.
Ainda assim, há muito o que evoluir, segundo ele. Atores e atrizes negros ou são minoria nesses espaços de arte ou ficam limitados a seus próprios grupos. O diretor aponta que os artistas brancos precisam romper com essa estrutura, ouvindo o outro, dialogando e percebendo de qual local estão falando. Além disso, é essencial se assumir brasileiro - identidade que carrega história e particularidades próprias.