Começou a contagem regressiva para a 28ª edição do Porto Alegre em Cena. O evento deste ano ocorrerá de 19 a 31 de outubro, em formato híbrido, mesclando recursos online e apresentações presenciais, com ambos convergindo para entregar uma experiência imersiva e transformadora para os apreciadores das artes cênicas, visuais e sensoriais.
Os 12 dias do festival de artes cênicas serão inspirados na edição do ano passado, com apresentações que evitam aglomeração, em intervenções em espaços públicos para os espectadores, que podem estar dentro de casa, observando das janelas, de dentro de ônibus ou de carros. Além disso, e-mails, chamadas de vídeo, redes sociais, aplicativos de mensagens e ligações também serão integrados às galerias de arte e teatros.
As instalações apresentadas pelo evento terão caráter urbano, humano e itinerante, explorando as possibilidades que a arte pode expressar em uma visão especial sobre as cidades em perspectiva de futuro. O evento buscará, de acordo com o seu diretor-geral, Fernando Zugno, inovar, ousar e fazer a curadoria de conteúdo relevante, voltado para a realidade e para a tecnologia.
— Viajo pelo Brasil e pelo mundo para conhecer as realidades de outros festivais e melhorar a nossa programação cada vez mais. E, desta vez, mais do que nunca, como um ato de resistência, é essencial que Porto Alegre conheça grandes artistas, com discussões e informações que atinjam outros patamares e realidades que só a arte consegue — conta Zugno.
Assim, algumas obras de arte convidarão o público a olhar para a Capital, com um pensamento curatorial que surgiu a partir de conversas com o artista Xadalu Tupã Jekupé, que criará uma obra exclusiva para o festival.
— Nesse festival, vamos propor tecer sobre nossa cidade uma outra que se conecte com o passado e nos resgate um solo sagrado de antes das pedras portuguesas serem instaladas — adianta o coordenador do evento.
Inovação em cena
Assim como na edição do ano passado do Porto Alegre em Cena, o período de distanciamento social é um grande desafio, que traz impactos relevantes nas artes. Com isso, as produções carregam fortes indícios de reinvenção e análises profundas sobre o momento. Já com público, sem contato físico, a missão é fazer com que ele se aproxime da proposta imersiva e sensível das obras.
Nesse resgate de uma cidade cultural, o evento quer fazer com que as pessoas que participarem da iniciativa possam perceber o mundo de outra forma. Ao longo de toda a programação, que está sendo montada e idealizada respeitando os protocolos sanitários recomendados por autoridades, um convite será feito visando à retomada das emoções, por meio de mecanismos tecnológicos, buscando transcender o vídeo e as lives.
— Um festival é um espaço em que se propõe um debate por meio das estéticas de diferentes artistas e, por meio delas, alteramos a sensibilidade das pessoas até chegar na emoção. É através da potência das indescritíveis belezas criadas por artistas que sobreviveremos a esses tempos. A arte salva. A arte cura. Além disso, é uma máquina econômica que não pode parar — ressalta Zugno.
Programação mais visual e interativa
A edição deste ano receberá apresentações locais, nacionais e internacionais, que terão transmissão pelo site e canal oficial no YouTube, não perdendo de vista as ruas e espaços culturais. A programação completa, por enquanto, ainda não foi revelada, mas o Porto Alegre em Cena já divulgou alguns de seus destaques.
Um deles é a videoinstalação espanhola Museu da Ficção I: Império, criada por Matías Umpierrez, da qual participaram, em vídeo, artistas como o encenador canadense Robert Lepage e a atriz espanhola Ángela Molina (de filmes como Esse Obscuro Objeto do Desejo, de 1977, de Buñuel, e Carne Trêmula, de 1997, de Almodóvar). A atração será dominada por apelos visuais em um diálogo sobre o deslocamento que a ação dramática pode provocar em um sistema descrito pelos organizadores como museu-coleção-conservação-exposição-tempo.
Já o Inclusão em Cena, que nos últimos cinco anos foi uma programação realizada de forma paralela ao festival, volta à conexão com todas as demais atrações, promovendo acesso e troca das periferias, crianças e jovens em situação de vulnerabilidade social com espetáculos e ações ao longo de todo o evento.
Também está confirmada nesta edição uma instalação de Jaider Esbell, artista, escritor e produtor cultural indígena da etnia Makuxi, natural de Roraima. Recentemente, ele expôs, em Belo Horizonte, em Minas Gerais, cobras luminosas gigantes a céu aberto. Agora, a proposta será reproduzir a obra em Porto Alegre, em local que será uma "surpresa".
Em conversa com GZH, Esbell conta que trazer a sua obra para Porto Alegre faz parte de um movimento articulado pelos artistas indígenas que busca atuar em todo o território nacional, latino-americano e também global. De acordo com ele, é importante ocupar todos os palcos que se apresentam favoráveis a receber a arte de seu povo.
— A nossa arte é militante, com um cunho "artevista", fazendo denúncias das atrocidades que acontecem do extremo sul ao extremo norte. Porto Alegre nos desafia porque é uma cidade que tem um histórico de desconhecimento e discriminação contra os povos indígenas. Então, é uma tentativa que a gente vem fazendo com a arte de tentar alcançar alguma ideia de justiça, de protagonismo — destacou o artista.
Sobre a sua peça, denominada Entidades, o roraimense conta que ela traz a força geral das "cosmovisões", sobre como as nações indígenas enxergam as suas origens de mundo:
— A cobra grande acaba sendo uma figura que congrega várias culturas, não só indígenas, mas várias culturas que têm ainda a sua identidade definida.
Edital
No final de 2020, uma matéria publicada em parceria pelo Matinal Jornalismo e Nonada - Jornalismo Cultural revelou que a Associação Porto Alegre em Cena, uma entidade privada registrada em cartório no mesmo endereço físico de um edifício público, o Solar Paraíso, seria a gestora do Porto Alegre em Cena 2021.
A instituição venceu o edital, mesmo possuindo entre seus fundadores o atual coordenador do Porto Alegre em Cena, Fernando Zugno, que havia deixado a entidade privada antes que ela se apresentasse à concorrência pública. Ele era o responsável pela seleção dos vencedores do edital. A prefeitura anulou a seleção da entidade, e a Primeira Fila Produções Artísticas ficou incumbida da tarefa de captar recursos e gerenciar o projeto da 28ª edição do festival.
A GZH, o diretor-geral do Porto Alegre em Cena afirma que o episódio foi um "grande mal- entendido" e que o seu objetivo, com a criação da Associação Porto Alegre em Cena, era "proteger" o festival.
— O episódio foi mal interpretado. Não teve nada de ilegal na escolha da instituição, que foi criada para salvaguardar e engrandecer o festival, que é um bem nacional. Não queríamos fazer algo que desagradasse as pessoas. Tanto é que, quando surgiram as reclamações, a associação saiu de cena — enfatiza Zugno.