Em junho do ano passado, o grupo Teatro Sarcáustico estreou em Porto Alegre um espetáculo inusitado, em que os espectadores não apenas eram orientados a deixar seus celulares ligados ao entrar no auditório do Instituto Ling como participavam de um grupo de WhatsApp pelo qual interagiam em tempo real com os atores no palco.
Atração do projeto Ponto de Teatro, A Última Peça ocorria tanto no mundo real quanto no virtual. Foi uma maneira de atrair um público renovado para o teatro, como conta a diretora da montagem e também atriz, Gabriela Poester, que, aos 30 anos, é um dos talentos da cena gaúcha:
— O WhatsApp funciona bem porque o público jovem tem sua atenção multiplicada, mas não apenas para esse público. Muitos recursos podem atrair as pessoas, com a tecnologia, a realidade virtual, projeções. A recepção não é a mesma de cinco ou 10 anos atrás. Esses meios podem ajudá-las a gostar de teatro.
A iniciativa do Theatro São Pedro de criar um comitê de jovens de 18 a 24 anos para ajudar a entender como atrair essa faixa etária para sua plateia ecoa uma preocupação geral de profissionais das artes cênicas. O problema começa com a própria falta de dados.
— Não contamos com uma pesquisa de público atualizada e detalhada. Excetuando espetáculos de conclusão de cursos, oficinas e projetos que privilegiam criadores mais jovens, a percepção que tenho é de que o público é principalmente de adultos e idosos – afirma Renato Mendonça, curador do Ponto de Teatro e coordenador da Escola de Espectadores de Porto Alegre, que retomará neste mês seus encontros realizados desde 2013 com o público não especializado.
Coordenadora de Artes Cênicas e Visuais do Sesc-RS, que realiza o Festival Palco Giratório, entre outros projetos, Jane Schoninger concorda:
— Poucos jovens têm no teatro uma opção de lazer, de experiência ou mesmo de encontro. O público já conhecido que consome produções de artes cênicas, prioritariamente, é quem já tem alguma relação com a arte. Além desse núcleo, são poucos os que construíram esse hábito, e as pessoas mais jovens não estão inseridas aqui.
Incentivo
O que explica essa ausência? Uma boa ideia pode ser perguntar a alguém mais jovem, como o diretor e ator Luiz Manoel, 29 anos, visto recentemente no musical Chiiicago – Nem Tudo É Jazz e na peça Em Chamas:
— Os jovens estão valorizando experiências muito mais virtuais do que presenciais. No celular, acessam Netflix, YouTube, vários aplicativos. Historicamente, as pessoas no Brasil tinham o hábito de ir ao teatro, mas isso foi se perdendo. Tampouco é incentivado desde o Ensino Básico.
Já Gabriela acredita que o público se renova, sim, mesmo que pouco, mas acrescenta que esse movimento pode ser maior. Para elas, as palavras-chave são acesso e incentivo:
— Sou do Interior (de Cachoeira do Sul) e tive poucas oportunidades de assistir a peças quando criança, mas, quando vi, me marcaram. Deve haver democratização e descentralização.
Exemplo de um movimento de abertura a novos públicos foi a performance com o coletivo da festa O Bronx realizada no último Porto Alegre em Cena, segundo Fernando Zugno, diretor do festival e coordenador de Artes Cênicas da prefeitura da Capital:
— Veio um público jovem, que não costuma frequentar o Centro Municipal de Cultura. Se 10% daquelas pessoas se interessarem em acompanhar o festival, já é um golaço para todos.