Com 37 anos de atividade, o Grupo Galpão pode ostentar um notável senso de história. Seu mais recente espetáculo, Outros, estreou na época das eleições de 2018, e o anterior, Nós, veio à luz durante o processo de impeachment de Dilma Rousseff. Nenhum dos trabalhos aborda diretamente esses episódios, mas o espírito das mudanças que têm afetado o país e o mundo nos últimos anos está impregnado em outros níveis: no corpo, na palavra, na cena.
Outros dá continuidade e radicaliza o trabalho iniciado pelo coletivo mineiro com o diretor convidado Marcio Abreu em Nós, que pôde ser visto no Porto Alegre em Cena de 2016. O novo trabalho será apresentado no festival nesta sexta (13) e no sábado (14), no Theatro São Pedro, e depois em Canoas e Caxias do Sul.
Partindo dos conceitos de poesia e alteridade (a relação com o outro), os atores realizaram performances individuais e coletivas durante o processo de criação. Levaram uma grande mesa para as ruas de Belo Horizonte e São Paulo para ouvir as pessoas e receberam, por exemplo, um grupo de professores que haviam sido reprimidos pela polícia um dia antes por terem realizado uma manifestação. Em uma performance individual, o ator Eduardo Moreira propunha trocar uma peça de roupa com cada passante – entre eles, pessoas em situação de rua.
— Nada dessas experiências foi transposto diretamente para o espetáculo. A contribuição ao processo criativo foi mais profunda — explica o diretor Marcio Abreu. — É a reverberação no corpo de cada ator do que foi inoculado em sensibilidade a partir dessas experiências. Isso mudou nossa maneira de lidar com o material dramatúrgico e mudou nossa percepção da alteridade.
Convivência
Outros começa com uma presença marcante da palavra, que vai sendo abandonada aos poucos para dar lugar a formas mais sensoriais e corpóreas de comunicação. A urgência da escuta se impõe em um tempo saturado de verbo – não de poesia, mas de discursos suspeitos em nome de interesses específicos.
— Depois do esgotamento da palavra, o que pode vir? Como a palavra pode ressurgir de modo mais generoso, por meio da escuta, da partilha? Somos diariamente manipulados por notícias falsas, pela palavra como ferramenta de usurpação do poder. Como pensar a palavra como lugar de convivência? — questiona Abreu.
Mesmo criada a partir do lugar da sensibilidade, a montagem é profundamente política, como explica Eduardo Moreira, um dos 10 atores, que executam a trilha sonora ao vivo:
— Não falamos nada sobre essa terrível ameaça obscurantista que vivemos hoje, ameaçadora para a democracia, mas os corpos dos atores estão afetados por isso.
O espetáculo reflete a polarização, a falta de diálogo, a ausência de troca de ideias que o Brasil e o mundo estão vivendo. Nas redes sociais, ninguém é responsável por nada, é um tiroteio leviano.
Moreira descreve Outros como uma sobreposição de 10 monólogos que “se cruzam, mas não se conectam”. Para ele, esta segunda parceria com Abreu levou o grupo a desafiar seus pressupostos:
— Se Nós tinha um enredo, Outros é mais híbrido, não tem uma história. O Galpão sempre teve uma linha muito teatral, da fábula, da representação, e Marcio tirou o grupo desse lugar, levando para o lado da performance, da coisa acontecida no momento. Estamos pensando nos limites entre teatro, performance, música e dança.
O diretor retribui o reconhecimento, ressaltando a importância do grupo para o teatro no país:
— O Galpão tem uma história fundamental tanto artística quanto politicamente. É um farol que abriu caminho para gerações que vieram depois e se mantém como parâmetro de dignidade e de vivência do teatro no Brasil.
Para Abreu, tanto Nós quanto Outros são exemplos de luta “com inteligência, força e sobretudo poesia” contra um estado de coisas.
— É outra perspectiva de mundo, não a que estamos vivendo.
Grupo Galpão em Outros
26º Porto Alegre em Cena
Sexta (13) e sábado (14), às 21h, no Theatro São Pedro (Praça Marechal Deodoro, s/n°).
Ingressos de R$ 20 a R$ 80, à venda pelo site uhuu.com/poa-em-cena, na bilheteria oficial no Shopping Total (Av. Cristóvão Colombo, 545, 2º piso, em frente às escadas rolantes) e, havendo disponibilidade, no teatro, uma hora antes das sessões.
Canoas
Dias 17 e 18, às 20h, no Sesc Canoas (Rua Guilherme Schell, 5.340).
Ingressos a R$ 30, à venda pelo site sympla.com.br/grupogalpao e no local, duas horas antes das sessões.
Caxias do Sul
Dia 20, às 18h e às 21h, no Teatro Pedro Parenti na Casa da Cultura (Rua Dr. Montaury, 1.333).
Ingressos a R$ 30, à venda pelo site sympla.com.br/grupogalpao e no teatro.