Embora o Teatro de Arte de Moscou tenha montado, na virada para o século 20, históricas encenações que consagraram Tchékhov (1860-1904), o contista e dramaturgo russo reclamou que Stanislávski, o diretor da companhia, não havia compreendido um aspecto de suas peças: o humor. O Jardim das Cerejeiras, anotou Tchékhov, “não é um drama, mas uma comédia, e em alguns momentos uma farsa”.
De lá para cá, outros diretores trataram sua obra com solenidade. Por isso, o autor que revolucionou o teatro com retratos pungentes de vidas miúdas provavelmente aprovaria o conceito do espetáculo que comemora os 20 anos do Circo Girassol.
Os Palhaços de Tchékhov é uma homenagem circense a seu universo dramatúrgico, baseada em peças curtas (O Canto do Cisne, Trágico à Força, As Bodas, O Urso, O Pedido de Casamento e Os Males do Tabaco) e em duas longas (A Gaivota e Tio Vânia). A montagem estreia em sessão única nesta terça-feira (28), às 20h, no Teatro da PUCRS, no prédio 40 da universidade, em uma parceria do Girassol com o Instituto de Cultura da PUCRS. Depois, o espetáculo entrará em temporada, mas a data e o local ainda não foram confirmados.
O diretor Dilmar Messias começou a escrever o roteiro em 2017, a partir do argumento de O Canto do Cisne, no qual um velho ator acorda em um teatro depois de uma noitada de bebedeira por ocasião de uma homenagem a ele após uma apresentação.
Na peça de Tchékhov, o protagonista rememora nostalgicamente seus feitos do passado em conversa com um ponto – antiga função em que uma pessoa soprava as falas para o elenco. A versão do Circo Girassol ganha outro contorno: aqui, o encontro do velho ator (papel de Tuta Camargo) com o ponto (Diego Steffani) e uma camareira (Débora Rodrigues) motiva representações de peças de Tchékhov empregando metalinguagem, ou seja, o “teatro dentro do teatro”. Dilmar conta que jamais havia pensado em representar o teatro de Tchékhov:
— Sempre me atraíram mais o teatro poético, farsesco e circense. Mas Tchékhov ocupa um lugar importante na minha formação, ao lado dos grandes autores da dramaturgia universal, como Shakespeare, Ibsen, Brecht e Lorca, autores que já montei, com exceção de Shakespeare.
O encenador explica que um dos desafios foi reunir dois tipos de representação: o drama naturalista, em que os atores não se dirigem diretamente ao público, e o jogo do palhaço, que requer uma cumplicidade com os espectadores:
— Neste trabalho, pesou bastante nossa experiência e o trabalho desenvolvido no CLUP (Clube de Palhaços do Circo Teatro Girassol). O mais difícil foi resgatar a nossa formação de atores dramáticos para encarar tamanho desafio.
Um desafio e uma ousadia
Para viver o decadente ator Vassili Smirnov, Tuta Camargo buscou se desvencilhar das referências que tinha a respeito do teatro de Tchékhov. Tuta atribui a universalidade da obra do autor à habilidade em narrar as relações interpessoais de maneira “brilhante e engraçada”:
— A maneira como Dilmar adaptou essas histórias fez com que convergissem o circo e Tchékhov. Mas nosso humor não é escrachado. Buscamos referências como os palhaços russos, que têm outro tipo de humor.
Unir circo e Tchékhov, para Débora Rodrigues, que interpreta a camareira Natacha Semínova, é “um desafio e uma ousadia”:
— O que chama minha atenção em Tchékhov são as relações humanas, o aprofundamento psicológico e os estados de espírito dos personagens. E também a forma envolvente como o autor constrói suas frases, utilizando palavras suaves, líricas e comoventes.
Diego Steffani, que faz o papel do ponto Mikhail Usov, lembra que teve o primeiro contato com a obra de Tchékhov na adolescência, por meio dos contos, e que atuar em suas peças sempre foi uma de suas ambições como ator:
— A profundidade com que retrata os personagens é tão humana e próxima da realidade que é praticamente impossível não se identificar com os conflitos que propõe.
OS PALHAÇOS DE TCHÉKHOV
Terça-feira (28), às 20h. Teatro da PUCRS (Av. Ipiranga, 6.681, prédio 40), em Porto Alegre.
Duração: 60 minutos. Classificação: 12 anos.
Entrada franca. Retirada de senha na terça-feira, das 11h às 20h, no Ateliê 360 (térreo do Living 360, prédio 15 da PUCRS). Cada pessoa poderá retirar até dois ingressos, doando 1 kg de alimento não perecível por ingresso.