Menos de um ano depois de trazer uma elogiada montagem de Doroteia a Porto Alegre, Jorge Farjalla retorna ao Theatro São Pedro para encenar mais um texto de Nelson Rodrigues. De sexta (4) a domingo (6), o palco do espaço considerado pelo diretor goiano "um abraço de verdade" se transforma em um lamaçal para receber a primeira apresentação da montagem de Senhora dos Afogados fora de São Paulo, onde estreou em fevereiro, no Teatro Porto Seguro.
– Levei o espetáculo literalmente para Pernambuco, terra do nosso Shakespeare brasileiro. Tudo se passa num mangue, que engole a podridão dessa família. E todo o meu elenco, fora a Alexia (Dechamps), que faz a mãe, fala "pernambuquês" – explica.
Escrita em 1947, a peça mantém-se atual ao retratar a hipocrisia da sociedade, representada pelo embate entre dois núcleos aparentemente opostos: os Drummond, família orgulhosa de sua fidelidade conjugal de séculos, que choram a morte por afogamento de Clarinha, uma das filhas de Dona Eduarda e Misael; e as prostitutas do cais do porto, que lamentam a impunidade do assassinato de uma das suas 19 anos antes, atribuído por elas ao patriarca dos Drummond. Tudo isso com um elenco composto por oito atores (o texto original lista 22 personagens), entre eles Rafael Vitti, conhecido pela atuação em novelas da RBS TV, e Letícia Birkheuer, cujo desejo de trabalhar com Farjalla motivou a montagem.
– Em Senhora..., o ator é instrumento de trabalho. Não tenho contrarregras, são eles que montam e desmontam o cenário. E, além de seus personagens, fazem o coro dos vizinhos e das prostitutas do cais. As pessoas precisam entender que eu posso tudo no teatro. Eu não preciso representar a chuva pelo sonoro, eu posso fazer no corpo, fazer o público acreditar. Sinto que atualmente o teatro está indo pouco para esse lugar, teatralmente falando – diz o diretor.
No ar no NET Now com O Cravo e a Rosa – O Documentário, Farjalla estreia em junho no Rio a comédia romântica Vou Deixar de Ser Feliz por Medo de Ficar Triste?, com Paula Burlamaqui e Vitor Thiré, e depois se muda para a terra de Nelson para montar Jamais ou Calabar, de Doc Comparato, com Lucélia Santos. Mas se engana quem pensa que a relação de Farjalla com Nelson Rodrigues é de hoje: o diretor leu Valsa nº 6 pela primeira vez aos 13 anos. Em 2006, montou Anjo Negro e, em seguida, Senhora dos Afogados. No ano seguinte, recém-chegado ao Rio e "sem conhecer ninguém", apresentou o monólogo Doroteia de Um Homem Só. Dez anos depois, montou Doroteia, com Rosamaria Murtinho e Letícia Spiller. Seu objetivo era encenar todos os textos da saga descrita pelo crítico Sábato Magaldi como Obras Míticas e por Nelson como obras do Teatro do Desagradável.
– Quis levar ao extremo a questão do sincretismo religioso. Normalmente, é o profano que se alimenta do sagrado. Nessa montagem, é o sagrado se alimentando do profano, desse político Misael Drummond, que é uma escória, um hipócrita, e tem muito a ver com a nossa política atual.
SENHORA DOS AFOGADOS
Hoje e amanhã, às 21h, e domingo, às 18h.
Duração: 90 minutos. Classificação: 16 anos.
Theatro São Pedro (Praça Marechal Deodoro, s/nº).
Ingressos: R$ 50 (galerias), R$ 70 (camarote lateral), R$ 80 (camarote central) e R$ 90 (plateia e cadeiras extras). Desconto de 50% para sócio do Clube do Assinante e acompanhante.
Pontos de venda: bilheteria do Theatro São Pedro (sem taxa – hoje, das 13h até o início do espetáculo, e amanhã e domingo, das 15h até o horário do espetáculo) e site teatrosaopedro.com.br (com taxa).
* Colaborou Jéssica Nakamura