Rosamaria Murtinho aceitou o desafio de comemorar seus 60 anos de carreira com um espetáculo no qual está fisicamente irreconhecível. Para viver a Dona Flávia de Dorotéia, montagem com sessões desta sexta (21/7) a domingo (23/7) no Theatro São Pedro, em Porto Alegre, a atriz é submetida a um demorado processo de maquiagem para ficar... bem, para ficar feia. Rosamaria admite que foi ela mesma quem pediu. Depois de aprovar o trabalho do diretor Jorge Farjalla ao assistir ao espetáculo Paraíso AGORA! Ou Prata Palomares, ligou para convidá-lo para dirigir seu próximo projeto: "Quero que você me desconstrua".
Foi então que Farjalla sugeriu Dorotéia, de Nelson Rodrigues, ideia que Rosamaria estranhou por julgar não ter mais idade para interpretar a personagem-título. Tudo ficou certo quando concluiu que a protagonista da peça é Dona Flávia, a mais velha de três viúvas que moram em uma casa fechada para homens há 20 anos. Sequer há quartos, pois elas se recusam a dormir com medo de sonhar. Para conferir ainda mais veracidade à caracterização, Rosamaria deixou crescer fios brancos no cabelo.
– Não dá pra fazer Nelson de peruca – garante. – Eu pareceria uma bruxa de teatro infantil, com todo respeito ao teatro infantil. Queria fazer da forma mais fiel possível. Eu me enfeio mesmo.
Uma vez decidido seu papel, o próximo desafio foi encontrar uma competente atriz para interpretar Dorotéia, uma linda jovem que deixou a profissão de prostituta e agora busca abrigo na casa das primas beatas, tendo de se submeter a uma condição: tornar-se feia como elas. Bárbara Paz e Bruna Linzmeyer foram cogitadas, mas quem levou foi Leticia Spiller, que atualmente pode ser vista na supersérie Os Dias Eram Assim, na Globo. A parceria entre Rosamaria e Leticia tornou-se um dos trunfos da produção, como garante a intérprete de Dorotéia:
– Fico impressionada com a força da Rosa, com a garra que ela tem e com a disponibilidade de ser desconstruída e não se acomodar na personagem. Fazer o que ela faz no palco é impressionante.
Rosamaria, de sua parte, retribui o elogio:
– Quando a Leticia leu o texto, pensei: "Tem que ser ela". Ficou uma parceria muito boa.
Para as duas atrizes, peça ainda é atual
Também estão no elenco Alexia Dechamps, Dida Camero, Jaqueline Farias e Maureen Miranda. A montagem conta ainda com um coro masculino que não está presente na peça de Nelson e executa a trilha sonora e a sonoplastia ao vivo: Daniel Martins, Du Machado, Fernando Gajo, Neco Yaros, Pablo Vares e Samuel Melo. Os "homens-jarro", como foram designados pelo diretor, simbolizam os sujeitos que passaram pela vida de Dorotéia. O jarro remete ao utensílio que as prostitutas usavam para se lavar depois do sexo. Para Leticia, o tema da repressão ainda é atual:
– A falta de amor gera tragédia. Reprimir um desejo puro e genuíno pode levar à doença. Nos dias de hoje, ainda vemos isso acontecer muito: preconceito, repressão. Não acho isso sadio.
Rosamaria aponta outros aspectos que garantem a permanência do texto:
– Na verdade, a peça é atual porque fala sobre hipocrisia, mentira, enganação. É tudo que vemos na política agora.
A experiente atriz considera Nelson Rodrigues "o maior autor brasileiro", atribuindo-lhe uma complexidade maior do que os rótulos que se tentou colar nele:
– Era uma pessoa contraditória. Era tido como conservador, mas foi preso como comunista. Quando eu era estudante, assisti a uma montagem de Senhora dos Afogados. Metade do teatro vaiava, e a outra metade aplaudia.
Já Leticia lembra que seu primeiro contato com o texto de Dorotéia, quando era mais jovem, decepcionou. Foi preciso submetê-lo a um verdadeiro escrutínio para extrair suas qualidades:
– Para mim, foram necessárias várias leituras para poder compreendê-lo realmente. Ainda tem coisas que descubro fazendo o espetáculo.
Agora, Rosamaria tem o desejo de participar de montagens de peças de Tchékhov e Shakespeare, enquanto Leticia escreveu um dos livros da coleção infantil Genoma, da editora DVS, pela qual planeja lançar também um livro de poemas. Leticia coproduziu e estrelou o longa-metragem Eu Sou Brasileiro, do diretor e roteirista Alessandro Barros, ainda sem previsão de lançamento, e vai produzir e estrelar Clube da Saudade, de Paulo Vespúcio Garcia, em fase de captação.
DOROTÉIA
Nesta sexta (21/7) e sábado (22/7), às 21h, e domingo (23/7), às 18h.
Theatro São Pedro (Praça Marechal Deodoro, s/nº), fone (51) 3227-5100, em Porto Alegre.
Ingressos: R$ 50 (galerias), R$ 80 (camarote lateral), R$ 90 (camarote central) e R$ 100 (plateia e cadeira extra).
Desconto de 50% para sócio do Clube do Assinante e um acompanhante.
À venda na bilheteria do teatro até sexta, das 13h às 18h30min ou até o horário de início do espetáculo, e sábado e domingo, das 15h até o horário de início do espetáculo. Venda online (com taxa): vendas.teatrosaopedro.com.br.