Deus cansou da humanidade. Chega, não deu certo, reinicia tudo. Com auxílio de Steve Jobs, quer produzir um universo 2.0, contendo uma interface atualizada. O Criador também elaborou novo mandamentos ao homem que, na sua opinião, tomou descaminhos violentos. Arrependido com seus erros, Ele carrega semelhanças com a sua criação – feita à sua imagem e semelhança.
Interpretado por Miguel Falabella, esse Deus mundano é o protagonista da comédia God, espetáculo que está em cartaz desta sexta-feira até domingo no Teatro do Bourbon Country. A montagem é uma adaptação do texto de David Javerbaum – sucesso na Broadway estrelado por Jim Parsons, o Sheldon de The big bang theory.
Leia mais
Estreia do espetáculo "Mithos", do Falos & Stercus, é cancelada
Fernanda Souza fala sobre bastidores da fama em peça que chega a POA e NH
Cadeiras da dupla Gre-Nal serão inauguradas na Concha Acústica do Multipalco Theatro São Pedro
A peça apresenta um Deus decepcionado com o seu primeiro trabalho, com vontade de reconstruir o universo do zero. Ao lado de dois anjos (Elder Gattely e Magno Bandarz), o criador reflete sobre questões profundas que atormentam a humanidade.
– God é um texto extremamente inteligente do David Javerbaum, que é um autor nova-iorquino com uma pegada meio Woody Allen. É Deus vindo apresentar novos mandamentos à humanidade, uma vez que os originais, que se tornaram códigos morais da civilização ocidental, não estão funcionando como deviam. Com uma visão muito bem-humorada, é uma comédia bem escrita – explica Falabella, responsável pela adaptação brasileira do texto original
Em entrevista à Zero Hora, o ator e diretor falou sobre a montagem, a falta de financiamento da cultura e sobre seu novo projeto Brasil a bordo, série que deve estrear na TV Globo em 2017.
Que tipo de temas aparecem no espetáculo?
Deus conta a criação, como fez o planeta e fala dos nossos descaminhos na terra. Ele cansou dos 10 mandamentos porque, afinal de contas, (citando trecho da peça) "tanta morte perpetrada, tanto ódio destilado por vocês ao longo desses anos todos, tudo isso em busca da minha aprovação. O que eu não que é que vocês matem em meu nome. Eu acho que é um bocado paternalista, não preciso de vocês para matar, eu mato muito bem sozinho". É um Deus mundano, que nos criou a sua imagem e semelhança. E essa consciência que ele vai adquirindo que, através do ser humano, ele se reflete. No final, ele se pergunta: "Afinal de contas, o que há de errado comigo? Eu devia estar fazendo terapia".
O espetáculo adaptou algumas piadas para o contexto brasileiro?
Eu adaptei senão ficaria tudo muito distante. Obviamente, o fato de ser no Brasil muda tudo. No começo, Deus nem sabe onde está. O cara fala "estamos no Brasil", e ele responde: "O que é isso?".
Alguém já se ofendeu com o espetáculo nas apresentações de vocês?
Não, God não é ofensivo em nenhum momento, pois não fala de religião. O bacana é que o espetáculo reconta a bíblia, fala com muita propriedade. Teve vários evangélicos assistindo, e eu nem esperava que fossem.
Como eles reagiram?
Adoraram! Falaram que não tinha nenhuma inverdade. Tudo é muito fiel ao que está escrito na bíblia, que, como dizia o Saramago, é o "manual dos maus costumes". É terrível, né? Eu mesmo me surpreendi com algumas passagens que não conhecia ou que não lembrava, como Abraão. Ele (Deus) é de uma maldade, manda matar o filho... Na peça, o Criador admite: "entendi a extensão da minha psicopatia". É um Deus muito divertido, muito crítico consigo mesmo.
Nos últimos anos, há um grande debate sobre os limites do humor, especialmente na TV, com o politicamente correto. O teatro é um meio mais aberto?
Essa peça, por acaso, não tem problema quanto a isso, até porque não é politicamente incorreta. Não há nenhuma inverdade ou fantasia naquilo que é dito. São verdades absolutas. Por exemplo, os novos falsos ídolos são os celulares. As pessoas ficam muito agarradas 24 horas. Eu tenho tido experiência com gente dentro do teatro checando mensagem no celular. Aí a plateia delira porque digo "olha aí, os novos falsos ídolos". Tudo tem que ter propriedade, elegância e inteligência, além de educação.
Como estão as gravações da série Brasil a bordo?
Essa é mais politicamente incorreta do que God (risos). Depois do Pé na cova, no qual falei da finitude do homem e tinha uma pegada melancólica, queria voltar para um humor de situação, estilo Toma lá, dá cá. Pensei o seguinte: "Gente, só conseguimos entender esse país no delírio!". Se você tenta entender o Brasil, acaba pirando. Então imaginei que a gente vive em um voo cego. E é isso que vou fazer: um voo cego sobre o Brasil. É uma companhia que tem o direito de continuar operando para pagar as dívidas trabalhistas, que são muitas, e está quebrada, a Piorá Airlines. A cada episódio, eles estão indo para um lugar, mas nunca chegam ao seu destino (risos).
Você trabalha muito com a produção de grandes espetáculos. O quanto a crise afetou o financiamento à cultura por parte das empresas?
Total. God estou fazendo sem nada, é um espetáculo menor. Mas com os musicais eu não sei o que vai acontecer, acho que não vai haver mais. Vamos retroceder: a minha geração, quando era jovem, não fazia musicais. Acho que vai parar tudo se continuar assim. O teatro continuará porque sempre arruma uma maneira de sobreviver.
Apesar da crise, os seus espetáculos estão sempre lotados. Você sente que transformou em um selo de qualidade com a inscrição "risadas garantidas"?
Procuro sempre fazer bem aquilo que eu gosto. Graças a Deus, o público também gosta, até porque eu não estou com uma arma na mão obrigando ninguém a entrar no teatro. Acho que estabeleci ao longo desses anos uma relação bacana com o público. Também durante toda minha trajetória eu levei o espetáculo – viajei e passei a minha vida em hotel. É uma história que li há anos atrás na qual a atriz Carol Channing dizia que quando você leva seu espetáculo ao público em turnê, essa plateia será sua para sempre. É verdade, ela tinha razão.
Atualmente, há uma grande movimentação de artistas críticos a diversas instâncias do poder no Brasil. Como você vê a crise política e econômica que vivemos?
É um momento extremamente delicado, vai demorar para sairmos disso. Não vejo muita luz no fim do túnel, nem ninguém que consiga me motivar. Não sou uma pessoa política. Não sou de vestir camisa. Sou político no que escrevo, que é onde vão minhas críticas. Deus fala na peça: “Não me metam com política”. A única coisa que Ele vê é a TV Senado quando visita Lúcifer no inferno (risos).
GOD
Sexta e sábado, às 21h, e domingo, às 20h. Teatro do Bourbon Country (Túlio de Rose, 80, fones 51 3375-3700).
Ingressos entre R$ 150 e R$ 240. Desconto de 50% para sócios do Clube do Assinante nos cem primeiros ingressos e de 10% nos demais.