O Ballet de Santiago chega a Porto Alegre com um de seus maiores sucessos recentes: Zorba, o grego, coreografia do americano Lorca Massine estreada mundialmente em 1988 na Arena di Verona.
O espetáculo, que tem sessão única nesta sexta-feira, no Auditório Araújo Vianna, é baseado no romance de Nikos Kazantzakis que também inspirou a adaptação cinematográfica de 1964 com Anthony Quinn. Tanto no filme quanto no balé, a trilha sonora é assinada por Mikis Theodorakis.
A diretora artística da companhia chilena é uma das grandes estrelas da dança mundial, a brasileira Marcia Haydée, 79 anos, a quem grandes coreógrafos como Maurice Béjart dedicaram obras.
Veja cenas de Zorba, o grego:
Em entrevista por telefone de um hotel em São Paulo, onde foi a primeira parada da turnê nacional, Marcia contou que sairá do Ballet de Santiago ao final de 2017. Depois, deixará que a vida lhe indique o caminho - uma das possibilidades é retornar ao Balé de Stuttgart, onde foi lançada ao estrelado internacional como bailarina, nos anos 1960, pelas mãos do coreógrafo John Cranko.
Como o balé Zorba, o grego lida com a questão sempre complexa entre tradição e modernidade?
Zorba tem uma linguagem muito especial, que é do Lorca Massine. Ele fez pela primeira vez Zorba, o grego nos anos 1980, foi a estreia. Ele já tinha o seu próprio vocabulário. Não se pode dizer que é o moderno de hoje, porque hoje tudo mudou, já é outra coisa, mas a mistura que ele fez do que era dança folclórica, clássica e contemporânea se vê de forma muito clara na estrutura desse balé. Zorba é um balé que vocês no Brasil já viram, teve um sucesso muito grande. Ele fez uma turnê em 1994 e 95 por todo o Brasil com Zorba, o grego. Foi um dos maiores sucessos de todos. Ele veio com a companhia da Polônia. Ele se lembra até hoje do espetáculo que houve no Rio de Janeiro na praia, com 150 mil pessoas. Quer dizer, Zorba é um balé que o Brasil já conhece. Agora, mostraremos a versão que ele fez para nós no Chile há quatro anos e que continua sendo um grande sucesso. É um desses balés que o público entende no mundo inteiro, seja no Japão, China, Brasil ou Estados Unidos.
Tendo em vista essa combinação de clássico, folclórico e contemporânea, como é o preparo dos bailarinos?
O treinamento é sempre clássico. A aula de uma hora e meia que eles fazem todos os dias é sempre a base clássica. Depois, vem o coreógrafo. É a maneira como ele cria a coreografia, os passos que ele usa, que leva para o mais moderno, contemporâneo. A base da companhia é clássica.
Qual o espaço de atuação da direção artística no espetáculo?
Tudo o que vocês verão é trabalho do Lorca Massine. Como diretora, eu trago o Lorca para fazer esse balé de que sempre gostei muito para a minha companhia. Mas o trabalho de ensaio, de passar o que ele quer no espetáculo, é tudo dele. Eu, claro, estou sempre junto com ele porque conheço a companhia. Quando ele me pergunta quais as pessoas que poderiam ser boas (para determinados papéis), posso ajudá-lo.
A senhora já declarou que ficará no Ballet de Santiago até 2017. Como estabeleceu esse prazo?
Eu tinha pensado em voltar para a Europa já no fim de 2016 e ficar como freelancer para remontar meus balés em outros lugares. Mas, como mudamos de diretor no Teatro Municpal de Santiago, ele chegou agora e me pediu por favor para não ir embora porque ele é novo e o teatro ainda é totalmente estranho para ele. E ele sabe que o balé está bem nas minhas mãos, então pediu para eu ficar mais um tempo. Eu disse que ficaria até 2017.
Já há convites na Europa? A senhora já está alinhavando compromissos?
Não. Eu nunca alinhavo nada na minha vida. Eu só queria dançar, e a vida foi me colocando no caminho o que era bom para mim ou não. Tenho uma confiança muito grande, não gosto de planejar as coisas. Agora vou terminar (o período no Ballet de Santiago) e tenho minha casa na Alemanha. Vamos ver. Pode ser que eu nem vá para a Alemanha. Isso é a vida que vai me mostrar para onde vou.
Alguns dos coreógrafos mais importantes da história dedicaram coreografias à senhora. Quais lhe marcaram?
Todas elas. Todas as coreografias me marcaram muito. Trabalhei com grandes coreógrafos, como (John) Cranko, que foi o primeiro que me formou. Fiz minha carreira e me tornei famosa com ele. Depois, vieram (Kenneth) MacMillan, (Maurice) Béjart, (John) Neumeier, que fez coisas lindas para mim. Todos esses coreógrafos criaram coisas para mim. Então, cada criação que eu fazia era uma etapa na minha vida.
Foi com Cranko, em Stuttgart nos anos 1960, que a senhora se tornou uma estrela internacional. Quais são as suas recordações desse período?
Ele foi um dos grandes coreógrafos, um visionário já naquela época. Tinha uma visão do que seria a dança muito mais adiantada do que qualquer outra pessoa. Ele quis formar sua própria companhia, ter sua própria estrela, seus primeiros bailarinos. Ele nos formou. Era uma pessoa que tinha uma maneira de trabalhar muito especial. Ele dava aos bailarinos uma liberdade muito grande. Então, as coreografias eram feitas entre ele e os bailarinos. Não era uma pessoa que chegava e dizia: "Você tem que fazer assim e assim". Não. Ele conversava conosco. Fazia uma coreografia, depois via se dávamos uma opinião. Se ele gostava, mudava. Era uma pessoa muito liberal. Foram somente 13 anos com ele porque depois ele faleceu, aos 46 anos anos. Era muito jovem. Então, isso provocou um choque não somente para nós, os bailarinos, mas para o mundo inteiro. Tínhamos acabado de fazer uma turnê nos Estados Unidos que foi a turnê de mais sucesso para a companhia. Ele morreu na viagem de volta à Alemanha.
Foi realmente muito cedo.
Mas a gente nunca sabe, a vida é assim. Por alguma razão é assim, nunca vou entender. Está tudo sempre muito marcado. Por isso, acredito que vim ao mundo para dançar e tudo que fiz na minha vida não foi decisão minha. Quer dizer, tomei a decisão de dançar, isso eu fiz. Me tornei uma grande bailarina. Tudo isso eu quis. Mas como chegar a esse ponto eu não decidi nada. Foram coisas que foram passando na minha vida que me empurravam para certos lugares, e eu ia. Agora tem outras companhias que estão me chamando para ser diretora. Posso voltar para o Balé de Stuttgart, querem que eu os ajude lá, que trabalhe com ele. Mas não decido nada porque sei que a vida vai decidir o melhor para mim.
Como uma artista experiente como a senhora se mantém atualizada? Os fundamentos são atemporais?
A dança mudou muito desde quando comecei até o dia de hoje. A maneira de dançar, a direção que estão tomando. As pessoas vão nascendo com novas ideias, vão querendo fazer outras coisas, entrar em outros caminhos, e eu sigo com elas. Não sou uma pessoa que fica grudada ao passado, isso seria perda de tempo. Enquanto eu estiver nesse mundo, vou seguir aprendendo, vendo as coisas novas e olhando, admirando. Mas tive um passado muito especial, muito lindo.
Como a senhora vê as novas gerações de bailarinos com as quais trabalha?
Acho fascinante. São bailarinos que têm uma capacidade física e técnica que cada dia está se tornando mais difícil. Quando comecei a dançar, a técnica não era como é hoje. É uma técnica que cada dia quer ser melhor, vai encontrando um caminho novo. É a rapidez com que tudo se passa hoje em dia. Na minha época, não tínhamos internet, iPhone, iPad, nada disso. Tudo era mais lento. Hoje, você aperta um botão e tem o mundo no iPad ou no computador. É um mundo diferente, a juventude é diferente, as crianças também. Isso também influi na dança. Já nascem com outra capacidade física. Tudo é certo para o tempo.
Existe o lugar-comum de que o balé busca a perfeição, mas a senhora já declarou que é preciso trabalhar com as imperfeições.
Perfeição não existe e não deveria existir porque ninguém quer ser perfeito. O que quer dizer perfeição? Nem as máquinas são perfeitas. Sou contra a perfeição. Cada um tem que chegar ao máximo do que pode chegar, fazer o melhor que pode fazer e ir para a frente. Sou totalmente contra a ideia de tentar ser perfeito.
Mas existe essa cobrança pela perfeição no mundo do balé?
Tem muita cobrança pelos próprios bailarinos, que pensam que querem ser perfeitos, fazer o espetáculo perfeito. Graças a Deus, fui criada pelo John Cranko, que dizia: "A perfeição não existe. Cada dia você é diferente, você não é máquina". É isso que eu acho. Sempre fiz uma competição comigo mesma. Cada dia queria ser melhor, mas não para chegar à perfeição. É para conseguir cada dia ir para a frente, se desenvolver mais artisticamente, não a perfeição técnica.
Houve um momento na sua vida em que a senhora decidiu fazer coisas que não havia feito antes.
Foi quando deixei o Balé de Stuttgart. Em 1996, eu era diretora dos balés de Stuttgart e do Chile. Eu disse: "Agora quero dar uma parada". Estava dirigindo e dançando havia 30 anos. Foi quando me casei e, durante dois anos, não ia ao teatro. Fazia muito ioga porque meu marido é professor de ioga. Fazia muita meditação. Viajei para a Índia e para países onde não tinha estado antes. Escalei montanhas com meu marido, que levava esses grupos para viajar. Tive uma vida totalmente diferente. Depois de dois anos, a vida me levou de volta para a dança.
Foi quando a senhora olhou para trás e...
(Interrompendo) Nunca olho para trás. Olho sempre para a frente. Não gosto de olhar para trás. Primeiro porque tive uma vida muito fantástica, uma carreira incrível. É difícil olhar para trás porque você começa a ficar na melancolia porque tudo já passou, o bonito que foi, tudo que eu já vivi. E não sou assim. Passou, passou. Vou para a frente. Até hoje, com 79 anos, olho para a frente e vejo que tenho futuro. Não tenho medo do futuro.
De que forma o ioga ajudou a senhora como bailarina?
Foi com o ioga que encontrei a minha maneira de dançar. Eu tinha uma liberdade muito grande de movimento, nunca me preocupei muito em controlar o meu corpo. Eu usava o meu corpo, meu corpo me seguia, e tudo pela respiração. Isso veio muito do ioga. Por isso tive uma carreira tão longa e que meu físico funcionou. Eu fazia a respiração do ioga. O bailarino às vezes pensa na técnica, na musculatura e em muita coisa, mas não pensa na respiração correta. Eu dançava com a respiração.
SERVIÇO:
ZORBA, O GREGO
Sexta-feira, às 21h. Duração: 75 minutos. Classificação: livre.
Auditório Araújo Vianna (Osvaldo Aranha, 685), em Porto Alegre
Ingressos (2º lote): R$ 50 (plateia alta central B17 a B19 e plateia alta lateral), R$ 110 (plateia alta central B1 a B16), R$ 130 (plateia baixa lateral), R$ 150 (plateia baixa central), R$ 180 (plateia AA, AB, A01, A02, A03 e A04 _ Gold).
Pontos de venda sem taxa: no Auditório Araújo Vianna, a partir das 14h, e na bilheteria do Teatro do Bourbon Country (Túlio de Rose, 80), a partir das 10h.
Canais de venda com taxa: site ingressorapido.com.br e call center 4003-1212.