— Tu viste que vai sair um "filme, filme" de Os Simpsons? O Adam Sandler vai ser o Homer!
— Ah, é? Vai sair um filme com atores? Não sabia...
— Vai, sim, no ano que vem. Vi o trailer!
Este poderia ser um diálogo qualquer entre cinéfilos nos dias de hoje, visto que existe uma onda de versões em live-action de animações famosas. Porém, tal filme de Os Simpsons jamais foi anunciado. Sendo assim, um trailer não deveria existir — mas existe. E tem mais de 5 milhões de visualizações.
Trata-se de um trabalho realizado pelo canal Multiverse of Movies, que produz este tipo de conteúdo como forma de "exploração de infinitas possibilidades cinematográficas", como consta em sua descrição no YouTube. Apenas nesta conta, existem trailers de "versões live-action" de títulos como Family Guy, Futurama, Toy Story, Rick and Morty, South Park e Divertida Mente.
Em comum, todas essas prévias têm por trás a inteligência artificial (IA) como base para a sua confecção. Porém, nos títulos dos vídeos, isto não fica evidente, apenas anunciando o nome da pseudo-produção, a menção "movie trailer" — ou seja, trailer do filme — e suposto ano de lançamento da mesma.
Assim, muitas pessoas que não leem a descrição do vídeo ou os comentários, acreditam se tratar de algo real. E se o vídeo cai nas redes sociais, sem nenhum tipo de explicação, as chances de viralizar são enormes. E, claro, quem é impactado, se não estiver por dentro do mercado audiovisual, acompanhando o que é anunciado ou não, pode ser enganado. O que mais se vê nestas publicações são internautas marcando pessoas nos comentários e escrevendo: "Temos que ir ver".
Mas, afinal, o que explica este fenômeno? Para o professor e pesquisador de Comunicação da PUCRS, Roberto Tietzman, este é um movimento que passa tanto pela cultura de fãs, que fazem as suas versões em cima de produções muito conhecidas, como de artistas e experimentadores da inteligência artificial, que buscam a criação do próprio portfólio.
Porém, mesmo que a ferramenta de IA crie as imagens a partir do comando do usuário, com as máquinas avançando de maneira exponencial, ainda há limitações para a produção deste tipo de conteúdo. Existem programas mais voltados para a criação de imagens estáticas e, depois, este resultado é enviado para uma nova rodada, em outro software, para dar movimento de câmera.
— A gente vê essas características nestes trailers. Neste de Os Simpsons, está o Homer Simpson, que é o Adam Sandler, sentado. E tem um movimentinho de câmera, mas pouco movimento do ator. Tem um movimento de mão, um piscar de olhos. A Lisa até toca o saxofone, mexendo-se um pouquinho. Então, quem produz este tipo de trailer está tirando proveito do que essas ferramentas estão conseguindo fazer agora — salienta Tietzman.
O professor, que pesquisa o tema na academia, ressalta ainda que imagens produzidas por IA com movimentos começaram a se popularizar em 2023. Um ano depois, elas já são capazes de enganar algumas pessoas. Para o futuro, existe o temor de que fique cada vez mais difícil distinguir o real do trabalho feito por máquinas.
Os programas inclusive já produzem, a partir de comandos humanos e uma infinidade de referências garimpadas na internet, até vídeos de "filmes perdidos", como de O Senhor dos Anéis dos anos 1950, do canal Abandoned Films.
Vale pontuar que algumas produções reais já estão utilizando as ferramentas de inteligência artificial, como na abertura da série da Marvel Invasões Secretas (2023), as transições entre blocos do filme Entrevista com o Demônio (2024) e também na dublagem do documentário Rio-Paris: A Tragédia do Voo 447 (2024), do Globoplay. Sendo assim, está tudo se misturando e, em breve, IA e o real serão uma coisa só.
Um trailer real
Apesar de muitas pessoas acreditarem que os conteúdos gerados por IA são reais, é possível encontrar — pelo menos por enquanto — pontos que diferenciam trailers reais dos falsos. A começar pelo formato. Nos criados por máquinas, ainda se notam várias limitações, como a ausência de falas por parte dos personagens e de eles caminhando ou, então, planos mais dinâmicos, como as prévias verdadeiras geralmente mostram. E o mais importante: falta emoção.
Guilherme Pires, diretor criativo e montador da empresa especializada em criar trailers, a gaúcha Storytrailer, já utiliza ferramentas de IA para auxiliar no fluxo do trabalho. Porém, na hora da criação de um trailer, o método é bem humano. Ele assiste ao filme sobre o qual vai desenvolver uma prévia, depois revê, anotando os pontos que mais mexeram com as suas emoções, anota em papéis e, então, cria um quebra-cabeça, no chão, para desenvolver o vídeo.
— O mais importante é capturar a essência, a alma do filme, que tipo de emoções ele desperta e, depois, preciso transpor para esse trailer. O aspecto emocional é muito forte, é o fundamental, o mais importante, porque cria no espectador um vínculo emocional com aquela obra que ele nem assistiu ainda. E a gente tem que fazer isso em dois minutos, que têm que ser muito mais fortes do que um apelo meramente visual, que é o caso desses trailers feitos por IA — explica Pires.
Ou seja, este trabalho todo que é feito na Storytrailer não se reflete nestes projetos feitos por inteligência artificial. Para os dois especialistas consultados, o ideal seria que os criadores dos trailers falsos deixassem claro nos trabalhos que se trata de conteúdo feito por IA. E, antes de marcar alguém em uma postagem, convidando para assistir a um filme no cinema, o ideal é checar se ele realmente existe.
Confira abaixo o trailer de Os Simpsons criado por IA.