A 77ª edição do Festival de Cannes teve início nesta terça-feira (14) em um clima de efervescência, com uma nova onda de mobilizações contra a violência sexual no cinema francês e a presença de estrelas de Hollywood.
O festival mais importante do cinema mundial começou oficialmente às 19h15min no horário local (14h15min no horário de Brasília) com a exibição da comédia Le Deuxième Acte, do francês Quentin Dupieux, e uma homenagem à estrela americana Meryl Streep, 74 anos, que não marcava presença no tapete vermelho de Cannes há mais de três décadas.
O Brasil está na disputa da Palma de Ouro com o filme Motel Destino, do diretor Karim Ainouz. A lista de celebridades para esta edição é longa, com destaque para nomes da geração de cineastas e atores que renovaram Hollywood a partir dos anos 1970.
George Lucas, 80 anos, será homenageado durante o festival, Francis Ford Coppola, 85, disputará a Palma de Ouro com Megalopolis e Paul Schrader, 77, retorna a Croisette com o seu Oh, Canadá, nova parceria com Richard Gere.
O início de Cannes, no entanto, tem as atenções voltadas para uma atriz francesa que acusa dois diretores de estupro durante a sua adolescência, dezenas de mulheres anônimas que denunciam abusos e um diretor iraniano que acaba de fugir de seu país.
"Quem realmente nos escuta?" questionaram nesta terça-feira uma centena de personalidades, incluindo várias atrizes, em uma mensagem divulgada na imprensa francesa.
O manifesto pede uma lei abrangente contra a violência sexual no mundo do entretenimento e foi publicado pelo jornal Le Monde. Entre as signatárias estão Isabelle Adjani, Juliette Binoche e as escritoras Leila Slimani e Christine Angot.
Outro nome que assina o manifesto é Judith Godrèche, que se tornou a nova líder do movimento #MeToo na França. A atriz de 52 anos ganhou fama na adolescência, principalmente ao trabalhar com dois diretores, Jacques Doillon e Benoît Jacquot, dupla que ela agora acusa de estupro.
Godrèche provocou um terremoto no cinema francês com as suas acusações, pois acredita que toda a categoria seguiu uma lei de silêncio sobre o tema. A atriz exibirá em Cannes um curta-metragem baseado nos depoimentos que recebeu de mais de mil pessoas no último ano. "Na realidade, somos centenas de milhares, vítimas destes abusos supostamente indiscriminados", afirma o manifesto publicado na terça-feira.
Cannes é cenário frequente de reivindicações sociais, mas este movimento tem como alvo o núcleo central do funcionamento da sétima arte na França. "Poucas vezes um festival foi precedido por tantos rumores e tanta revolta", afirmou o jornal Libération em um editorial.
Até o momento, nove mulheres testemunharam de maneira anônima em uma reportagem da revista Elle que acusa diretamente o produtor francês Alain Sarde, 72 anos. Ele supostamente abusou de sua posição de poder para agredir e estuprar jovens atrizes durante décadas, segundo a publicação. A advogada do produtor nega as acusações.
O Caso Rasoulof
A tempestade midiática em Cannes não acaba com estas acusações. Dos 22 filmes na disputa pela Palma de Ouro, ao lado de nomes como Coppola, Schrader, David Cronenberg ou Yorgos Lanthimos, está o diretor iraniano Mohammad Rasoulof, com The Seeds of the Sacred Fig.
Rasoulof fugiu do Irã pela fronteira turca depois de ser condenado a cinco anos de prisão e a chibatadas por "conluio contra a segurança nacional". O diretor iraniano revelou em um comunicado divulgado nesta terça-feira que está em um local secreto na Europa, depois de uma fuga "exaustiva", e deu a entender que pode comparecer a Cannes.
"A comunidade cinematográfica mundial deve garantir um apoio claro aos cineastas que sofrem perseguição", afirmou no comunicado o diretor, que já foi premiado em Cannes. Se o festival enfrenta tensão e reclamações, incluindo uma ameaça de greve por um grupo de trabalhadores, Hollywood aparece com o glamour.
George Miller exibirá Furiosa, novo filme da saga Mad Max, Kevin Costner apresentará o western Horizon e Demi Moore comparece como protagonista de The Substance, filme que disputa a Palma de Ouro.