Em 2024, celebra-se o aniversário de 110 anos de nascimento de Lupicínio Rodrigues. Neste ano, também são lembrados os 50 anos de saudade deste gênio da música brasileira. E ainda estreia nos cinemas o documentário Lupicínio Rodrigues: Confissões de um Sofredor — mais especificamente, nesta quinta-feira (14), em 10 cidades brasileiras.
Dirigido pelo paulista Alfredo Manevy, o título chega a quatro cinemas de Porto Alegre em sua primeira semana de exibição: CineBancários, Cinemateca Paulo Amorim, Cinemateca Capitólio e Espaço Bourbon Country. Dentro destes espaços, será possível assistir a um filme que retrata, durante os seus 92 minutos de projeção, a vida do compositor porto-alegrense, desde o seu nascimento, no antigo bairro Ilhota, em uma família de 21 filhos, até a sua morte, aos 59 anos.
Com esta linha do tempo traçada, o recorte do documentário consegue apresentar fragmentos de como funcionava a mente de um dos gênios da música do país, que conseguiu criar obras que perduram até hoje — seu legado musical é reverenciado por grandes nomes da cultura brasileira. Concedem depoimentos para o filme nomes como Gilberto Gil, Arthur de Faria, Juarez Fonseca, Tânia Carvalho e Ricardo Chaves, além de Lupicínio Rodrigues Filho, o Lupinho, herdeiro do sambista.
Com um vasto material formado por arquivos de jornais e entrevistas do compositor em programas de TV da época, a produção vai construindo uma narrativa que exalta a grandeza do artista, a sua relevância para a música e, principalmente, os detalhes que formavam o homem por trás do gênio. Sempre espirituoso, o artista conta, nestes materiais históricos, as peripécias nas noitadas, os amores e como as canções eram compostas quase no mesmo instante em que vivia cada nova experiência — e, claro, depois de uns goles de uísque.
— É muito fascinante no universo do Lupicínio a coragem que ele tem de falar de sentimentos como vingança, como ingratidão. Eu saio deste processo admirando o personagem que, a duras penas, conseguiu mudar a indústria musical brasileira, interferir no topo da indústria, sem sair de Porto Alegre — salienta Manevy.
No filme, estão presentes as principais características de Lupi: boêmio, namorador e apaixonado pelo Grêmio — inclusive, é resgatada a história de como ele compôs o hino oficial do time, tendo a primeira versão pronta em menos de 24 horas. Também situa o artista dentro do contexto em que viveu, abordando, inclusive, a origem familiar africana, os antepassados escravizados e até casos de racismo sofridos pelo autor.
— O filme tenta retratar um homem de carne e osso, um ser humano normal, não um super-herói. Como todo ser humano, ele tinha as contradições da sua época, como nós temos as da nossa. Alguns aspectos mais machistas das letras e do comportamento o filme reconhece, mas de forma alguma condena ou propõe um cancelamento — ressalta Manevy.
Pelo contrário, o cineasta acredita que, ao mergulhar nas letras e na poesia de Lupi, é possível entender como era o Brasil de sua época e como o país está nos dias de hoje — ou seja, de onde viemos e para onde queremos ir como nação. Segundo o diretor, dentro desta proposta, o filme não tenta folclorizar o artista porto-alegrense ou esconder as controvérsias de seu passado. A ideia é mostrar um homem complexo.
Encontro com Caetano e Gil
No documentário, os ícones da Tropicália Caetano Veloso e o já citado Gil aparecem em imagens históricas, ao lado de Lupi, em encontro entre os três em Porto Alegre. Gal Costa também protagoniza um momento emocionante: tocando violão e com uma flor no cabelo, ela aparece interpretando a música Volta, criada pelo autor gaúcho. Quem ainda tem destaque é Elza Soares, que regravou Se Acaso Você Chegasse, primeiro grande sucesso de Lupicínio.
Esta composição, por sinal, chegou a aparecer, em versão instrumental, em Dançarina Loura, musical de Hollywood que teve justamente a trilha sonora indicada ao Oscar, em 1945. Porém, além de não ter sido consultado sobre a utilização da música, o autor não recebeu direitos autorais. Tal episódio veio à tona com o documentário e gerou toda uma repercussão, com pedido para que o porto-alegrense fosse creditado entre os indicados ao prêmio da Academia.
Mesmo assim, a sorte de Lupi mudou quando seus versos foram cantados por Linda Batista, que gravou Vingança, no começo da década de 1950. Por conta deste sucesso, a artista realizou uma turnê internacional que rendeu retorno financeiro para o gaúcho, que comprou, segundo ele próprio, o carro mais bonito e moderno de Porto Alegre. Esta e muitas outras histórias estão no filme. Porém, o próprio cineasta responsável pela obra audiovisual acredita que seria possível fazer uma série de 30 episódios para dar conta de toda a vida do poeta gremista.
Passando por mais de 20 festivais mundo afora, a produção recebeu o prêmio do público de melhor documentário em Lisboa, no Festival Internacional da Língua Portuguesa, e participou de festivais nacionais como a 46ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo (2023), a 26ª Mostra de Cinema de Tiradentes (2023) e a 18ª Mostra de Cinema de Ouro Preto (2023).
A produção também foi selecionada para festivais internacionais, como a 14ª edição do FESTin Festival de Cinema Itinerante da Língua Portuguesa (2023), o 27º Inffinito Brazilian Film Festival (2023) e o Philadelphia Latino Film Festival 2023. Com tamanha exposição, a história de Lupi segue viva e conquistando fãs pelo planeta, transformando-o cada vez mais em uma figura eterna.
— Acho que tem toda uma geração que já conhece bem o Lupicínio, mas o filme também quer convidar uma nova geração para conhecer este que, talvez, seja um dos mais importantes personagens da cultura brasileira do último século e que continua emocionando as pessoas. Suas músicas ainda tocam o coração como tocavam há 60, 50 anos — acrescenta o diretor.