Por Sandra Maciel
Coordenadora Técnica da Maria Mulher – Organização de Mulheres Negras
O 20 de novembro é o Dia da Consciência Negra, uma data criada para marcar a luta ininterrupta e incansável do povo negro em um país no qual a nossa voz, os nossos direitos e até a mesmo a nossa existência foram constantemente negados e perseguidos ao longo da história, por isso reafirmamos que nossos passos vêm de longe e que Palmares é aqui. Sendo a trajetória do povo negro no Brasil um processo contínuo de tentativas de apagamento, precisamos sempre lembrar não apenas que ainda lutamos, mas que existimos e resistimos. Ressaltando que a Consciência Negra como conceito de luta diária e incansável está diretamente conectada com a resiliência e a determinação das mulheres negras, portanto, nada mais justo do que referenciar essa luta com um registro histórico – um documentário.
Nossas memórias coletivas estão registradas no filme Maria Mulher, que estreia justamente no dia 20, às 18h, na grade de programação do Canal Futura como parte da maratona da emissora dedicada à Semana da Consciência Negra – data cujo marco pioneiro é Porto Alegre. Dirigido por Daniel Herrera e André Costantin, em uma iniciativa do Ministério Público do Trabalho no Rio Grande do Sul (MPT-RS), em parceria com a própria Maria Mulher, a produção de 58 minutos de duração conta a história de 35 anos dessa organização, uma entidade hoje referência no movimento feminista negro no Brasil.
O documentário, produção da TranseLab, registra os acervos e as memórias coletivas das “Marias” que fizeram a trajetória da entidade em sua luta pelos direitos humanos das populações marginalizadas e excluídas – principalmente de afrodescendentes, mas também engajadas no combate às discriminações sexista, étnico-racial e social. O filme, que teve uma sessão de pré-estreia no dia 29 de outubro na Fundação Iberê Camargo, em Porto Alegre, é resultado de três anos de gravações de histórias de vida, pesquisas e tratamentos de acervos, com ênfase na estruturação da nova sede da Maria Mulher, localizada no complexo da Cruzeiro, na zona sul da capital gaúcha.
O filme tem roteiro estruturado nos depoimentos de quem fez a história da organização, fundada em 1987 para dar a cor aos movimentos feministas e marcar o espaço das mulheres negras nos movimentos negros, em um cenário de redemocratização brasileira em uma sociedade que não via o trabalho das mulheres negras como construtor dessa nação.
De início, a organização surgiu em encontros dominicais de um grupo de 30 mulheres, algumas do movimento negro, outras dos movimentos feministas, outras ainda participantes de sindicatos. E outras não faziam parte de movimento algum, mas queriam o mesmo que todas: contribuir para a melhoria da vida de mulheres, em especial das mulheres negras. A primeira sede de fato da Maria Mulher foi em uma garagem na Rua Múcio Teixeira, no bairro Menino Deus, mas o movimento logo estreitou laços com a Vila Cruzeiro do Sul, uma das zonas mais populosas da cidade, ocupando inicialmente um espaço na antiga sede do Conselho Tutelar da 5° Região.
As “Marias” do grupo recuperam em depoimentos a criação, os propósitos e as ações do movimento ao longo desses 35 anos. São “Marias” de nascença ou não, já que todas reivindicam para si esse nome tão forte e presente que se tornou sinônimo das mulheres brasileiras.
O documentário traz ainda reminiscências do surgimento do 20 de novembro, na capital gaúcha, em 1971, como a data que realmente representava o povo negro. Também revela o lento renascer da sede de Maria Mulher na Cruzeiro, depois de a casa ter sido parcialmente atingida pelas obras viárias do mundial de 2014 – a Copa do Mundo do 7x1 e dos projetos inacabados.
Para as Marias, a Consciência Negra é um movimento diário, é a fusão das lembranças das lutas deixadas pelas que nos antecederam com as nossas lutas e, principalmente, com a crença de que não há democracia, justiça e paz onde houver racismo e sexismo.
Maria Mulher
- O documentário tem direção de André Constantin e Daniel Herrera. Será exibido no Canal Futura a partir deste domingo. A sessão deste dia 20, às 18h, integra uma maratona com diversos filmes relacionados ao Dia da Consciência Negra.
- Com 58 minutos de duração, o filme narra a história da organização homônima, dedicada a dar voz às mulheres negras na sociedade gaúcha e porto-alegrense, a partir de depoimentos de integrantes. Outras informações em mariamulher.org.br.